A sociedade limitada é o tipo societário
mais amplamente utilizado no Brasil e caracteriza-se por sua simplicidade e
flexibilidade. Particularmente, é um modelo corriqueiramente adotado em holdings patrimoniais
e imobiliárias.
No entanto, à medida que as empresas crescem e amadurecem, e especialmente no
âmbito do planejamento sucessório, em que há a necessidade de conciliar os
interesses que nascem no seio familiar, surge a necessidade de se estabelecer
uma estrutura de governança corporativa mais sofisticada.
Neste contexto, a utilização de quotas preferenciais, por exemplo, pode ser uma
das soluções - mas nem sempre a única - a permitir a adaptação da governança às
mais diversas necessidades.
A legislação brasileira, notadamente o Código Civil de 2002, fornece a base
legal para a criação e utilização de quotas preferenciais em sociedades
limitadas. O artigo 1.055 do código, por exemplo, estabelece que o contrato
social pode prever a existência de classes de quotas, conferindo a essas
direitos e vantagens especiais.
No mesmo sentido, a Instrução Normativa nº 81 do Departamento Nacional de
Registro Empresarial e Integração (Drei) permite a restrição de direitos
patrimoniais ou políticos nos atos constitutivos das sociedades empresárias
limitadas.
Com efeito, o nosso arcabouço jurídico permite a adoção de direitos
diferenciados por intermédio das quotas preferenciais.
Vantagens e desafios
Partindo dessa possibilidade legal, as vantagens de adotar quotas preferenciais
na estruturação da governança corporativa de sociedades limitadas são inúmeras.
Cabe citar aqui, mas não de forma exaustiva, aquelas que melhor se
amoldam à realidade de um planejamento sucessório:
Adaptação dos direitos políticos e econômicos: as quotas preferenciais
possibilitam a introdução de diferentes classes de quotas, conferindo direitos
específicos a determinados sócios. Isso permite uma maior adaptação à
complexidade das operações da sociedade, criando categorias que refletem as
diversas contribuições e interesses dos sócios. No contexto de um planejamento
sucessório, por exemplo, é possível limitar os direitos políticos de
determinados sócios, sem prejudicar seus direitos econômicos, evitando, assim,
a ingerência indevida de determinados sócios na administração da
Flexibilidade na distribuição de lucros: a
estruturação de quotas preferenciais pode proporcionar maior flexibilidade na
distribuição de lucros, permitindo que determinadas classes de quotas recebam
dividendos prioritários. No contexto de um planejamento sucessório, isso é
especialmente valioso em situações em que se busca garantir que uma determinada
parte receba percentuais de lucros maiores ou
Preservação da simplicidade da sociedade
limitada: ao contrário da migração para uma sociedade anônima, a introdução de
quotas preferenciais permite que a empresa mantenha a estrutura mais simples de
uma sociedade Isso evita os custos e a complexidade associados à alteração da
forma jurídica da empresa.
Apesar das vantagens, a utilização de quotas preferenciais em sociedades
limitadas não está isenta de desafios. A definição precisa dos direitos e
deveres de cada classe de quotas é crucial para evitar conflitos entre os
sócios. Além disso, questões éticas devem ser consideradas, garantindo que a
estrutura de governança preserve a equidade e a transparência na tomada de
decisões.
Também é importante que as quotas
preferenciais não violem nenhuma das normas cogentes do Código Civil, das quais
vale citar, especialmente, o seu artigo 1.008, que estabelece que é nula a
estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das
perdas.
A utilização de quotas preferenciais em sociedades limitadas oferece uma
abordagem inovadora para a estruturação da governança corporativa, que pode ser
valiosíssima ao estruturar holdings cujo objetivo seja o planejamento
sucessório.
Ao adaptar conceitos tradicionais de sociedades anônimas para a realidade mais
simples das sociedades limitadas, tais sociedades podem alcançar maior
flexibilidade na adaptação de suas estruturas à medida que crescem e evoluem.
Considerações finais
Conclui-se, portanto, que a legislação brasileira fornece a base legal
necessária para a implementação dessas estruturas, permitindo que as empresas
explorem as vantagens das quotas preferenciais enquanto mantêm a simplicidade
inerente às sociedades limitadas.
Ao adotar uma abordagem equilibrada, as quotas preferenciais podem se tornar
uma ferramenta valiosa para sociedades que buscam aprimorar sua estrutura de
governança sem comprometer a simplicidade que as torna inicialmente
atrativas.
Por fim, importante notar que, como as relações familiares se transmudam, é
imprescindível que de tempos em tempos haja uma reanálise das estruturas
societárias, de modo a avaliar se as premissas adotadas no passado continuam as
mesmas e, em caso negativo, o que é necessário ser feito para que o modelo
societário outrora estruturado reflita a realidade atual.
Mais a mais, o trabalho de planejamento familiar é, por default,
artesanal, de modo que não existe um modelo único que se aplique, de forma
idêntica, a todas as famílias. Nesse sentido, somente uma assessoria jurídica
terá o condão de uma vez realizado um minucioso diagnóstico, sugerir a melhor estrutura
ao caso concreto.
Autores:
Pedro
Delavald, é advogado na área de Direito Societário e Fusões & Aquisições do
Demarest Advogados, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie e pós- graduando em Direito Empresarial pelo Ibmec.
Joyl Gondim, é sócio das áreas de Fusões & Aquisições e Estruturação
Patrimonial e Sucessória do Demarest Advogados, pós-graduado em American Law
and Legal Institutions pela University of Wisconsin (EUA) e especialista em
Administração para Graduados pela FGV-SP.
Maria Helena Bragaglia, sócia das áreas de Resolução de Conflitos, Consumo
& Varejo e Estruturação Patrimonial e Sucessória do Demarest, especialista
em Direito Processual Civil pela PUC-SP e bacharel em Direito pela Faculdade de
Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas.