'Com a promulgação da Emenda Constitucional
(EC) nº 132 pretende-se extinguir a guerra fiscal. Porém, só em 2032. Lembra a
frase atribuída a Santo Agostinho: Deus, dai-me a continência e a castidade,
mas não agora
Somos, reconhecidamente, um país com baixa disposição para formular
adequadamente problemas. Preferimos mágicas salvacionistas e fantasias com
palavras novas.
Guerra é uma palavra que assusta. Guerra fiscal, certamente, assusta mais
ainda. Assim, inventamos a guerra fiscal, que em outros idiomas, em tradução livre,
se denomina competição fiscal nociva, revelando em seu próprio nome uma censura
à prática.
A guerra fiscal do ICMS ganhou proporção a partir da década de 1990, sendo uma
ilegalidade a que recorriam os Estados menos desenvolvidos para atração de
investimentos, enquanto outros a praticavam em caráter retaliatório.
Jamais se explorou quais seriam os instrumentos que permitissem mitigar as
desigualdades inter-regionais de renda, como proclama insistentemente a
Constituição, nem as causas daquela guerra fiscal.
A Constituição de 1988, ao instituir o ICMS, previu que a concessão e revogação
de benefícios fiscais, no âmbito desse imposto, deveria observar o disposto em
lei complementar. Acrescentou, como disposição transitória, que, enquanto não
fosse editada essa lei, prevaleceria a Lei Complementar (LC) nº 24, de 1975,
que disciplinava a matéria durante a vigência do ICM.
Ocorre que a LC nº 24 remetia as decisões à exigência de uma esdrúxula
unanimidade, não tinha critérios objetivos para concessão e as sanções nela
previstas tornaram-se ineficazes. Tratava-se, enfim, de uma legislação inepta.
A lei complementar prevista na Constituição nunca veio a ser editada.
Na ausência da lei, a guerra fiscal prosperou. Nem mesmo ações movidas, no STF,
por Estados que se sentiam por ela prejudicados surtiram efeito duradouro.
Receio que nunca houve, de fato, um firme propósito de extingui-la.
Com a promulgação da Emenda Constitucional (EC) nº 132 pretende-se extinguir a
guerra fiscal. Porém, só em 2032. Lembra a frase atribuída a Santo Agostinho:
"Deus, dai-me a continência e a castidade, mas não agora".
A regulamentação da EC nº 132 é prenúncio de outras guerras fiscais. Quais
serão as vítimas do chamado Imposto Seletivo? Como serão apuradas as perdas dos
entes federativos, em virtude da nova sistemática? Como e quando a União
compensará essas perdas? Quais produtos e serviços, inclusive os da cesta
básica nacional de alimentos, conseguirão escapar da maldita alíquota
padrão? Será necessária
mais uma emenda constitucional para instituir um processo tributário específico
para os novos tributos?
Qual será o custo de implantação dessa medida? Assim, e la nave va.
Autor:
Everardo
Maciel
Ex-secretário
da Receita Federal, é consultor jurídico e professor do Instituto Brasiliense
de Direito Público