As constantes discussões acerca da
composição da base de cálculo dos tributos impõem que se analise o tema com
parcimônia, eis que, em meio ao caos tributário brasileiro, sempre há equívocos
que podem incrementar o ônus do contribuinte que, devido à alta complexidade do
sistema de apuração de tributos, suporta o custo de manter um controle efetivo
dos tributos devidos. No âmbito do Imposto sobre Produto Industrializado,
doravante IPI, tal problemática não passa desapercebida.
Em termos classificatórios, elenca-se o IPI
como um tributo incidente sobre o consumo. Contudo, tal incidência se dá tão
somente em uma das fases do processo: a industrialização. É um tributo não
cumulativo e indireto, cujo ônus econômico é suportado pelo contribuinte de
fato.
A criação dessa espécie tributária se deu por meio da Lei nº 3.520 de 1958.
Atualmente, tal figura se encontra prevista no artigo 153, inciso IV, da
Constituição Federal, bem como no artigo 46, do Código Tributário Nacional, e é
regulamentada pelo Decreto 7.212 de 2010 - que regulamenta a cobrança,
fiscalização, arrecadação e administração do IPI.
No âmbito deste ensaio, dois assuntos serão abordados com a finalidade de
esclarecer os contribuintes que ainda não tenham conhecimento acerca dos
pontos. Primeiramente, analisar-se-á a exclusão, da base de cálculo do IPI, dos
descontos incondicionais. Posteriormente, abordar-se-á a possibilidade de
exclusão dos custos de frete da referida apuração - tema que, apesar de
controvertido, vem sendo decidido em favor dos contribuintes.
Exclusão
dos descontos incondicionais
Relativamente ao primeiro ponto, deve-se mencionar que o artigo 14 da Lei nº
4.502 de 1964, com a redação dada pelo artigo 15 da Lei nº 7.798 de 1989,
previa que: "Salvo disposição em contrário, constitui valor tributável:
(.) Não podem ser deduzidos do valor da operação os descontos, diferenças ou
abatimentos, concedidos a qualquer título, ainda que incondicionalmente".
Contudo, foi levado ao Supremo Tribunal Federal o seguinte questionamento: os
descontos incondicionais compõem a base de cálculo do IPI para fins de apuração
do quantum devido? Em observância à previsão legal contida na legislação
supracitada, por muito tempo o desconto incondicional compôs a base de cálculo
do IPI. Contudo, após o julgamento do Recurso Extraordinário nº 567.935,
reconheceu-se a inconstitucionalidade formal do referido dispositivo, eis que
se trata de uma matéria reservada à Lei Complementar e, portanto, não poderia
ser objeto de lei ordinária, como o foi.
Posteriormente a isso, o próprio Senado editou a Resolução nº 1 de 2017, "suspendendo
a execução do § 2º do art. 14 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964,
apenas quanto à previsão de inclusão dos descontos incondicionais na base de
cálculo do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)".
Assim, deve-se observar que todos os
descontos incondicionais que afetem o valor final do produto não são
considerados para fins de apuração do valor devido a título de IPI, pois o CTN
estabelece, em seu artigo 47, inciso II, alínea I, que a base de cálculo do IPI
é apurada a partir do "valor da operação de que decorrer a saída da
mercadoria". Dessa forma, singelamente, se sobre o valor de R$ 100 incidir um
desconto incondicionado de 10%, a base de cálculo do imposto é R$ 90.
Exclusão do valor do frete
Em relação a exclusão do valor do frete da base de cálculo do IPI, trata-se de
uma questão atual e que já conta com posicionamentos a favor do
contribuinte. A controvérsia que se impõe é nomeadamente acerca indevida
inclusão do valor do frete na base de cálculo do IPI, eis que, conforme
analisado anteriormente, o próprio CTN esclarece que a base de cálculo deste
tributo é composta apenas do valor final da operação, ao qual logicamente não
se acresce o custo de frete - que é um custo acessório e de logística que
sequer é suportado como uma regra pelo sujeito passivo da obrigação tributária.
Nesse passo, tem-se pleiteado ao Judiciário a declaração de
inconstitucionalidade do artigo 14, §§ 1º e 3º, da Lei 4.502 de 1964, com
redação dada pela Lei 7.789 de 1989.
O fundamento legal é o mesmo do caso analisado anteriormente, qual seja, o
vício formal, eis que o tratamento legal acerca da base de cálculo de tributos
é reservado à lei complementar.
Deve-se aduzir que no âmbito do TRF da 4ª Região, a Corte Especial deste
Regional, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade na AC nº
96.04.28893-8 e na AMS nº 9604594079, já declarou a inconstitucionalidade dos
parágrafos 1º, 2º e 3°, do artigo 14, da Lei 4.502, de 1967.
No mesmo sentido, o próprio STF, no âmbito RE 926.064, já reconheceu que o Tema
nº 84, que afirmou que a Lei 4.502, de 1967, padece de vício formal ao tratar
da base de cálculo do IPI, estende-se à controvérsia relativa à inclusão do
valor do frete na base de cálculo do IPI.
Vale ressaltar, que o entendimento judicial vem reconhecendo que, mesmo quando
o valor do frete não estiver destacado na nota fiscal de venda, há o direito de
excluir da base cálculo do IPI, desde que o estabelecimento produtor tenha
arcado com seu ônus, pois nesse caso, logicamente, o custo do transporte está
embutido no valor total dos produtos vendidos.
Logo, deve-se ter claro, em primeiro e superior plano, que a reserva de lei
complementar sempre deve ser observada quando se tratar de base de cálculo de
tributo, pois é uma exigência constitucional (artigo 146, III, "a") que se
inobservada macula de vício formal qualquer legislação infraconstitucional que
intente tratar da matéria.
Por fim, a conclusão a ser considerada
pelos leitores é que nem os descontos incondicionados e tampouco o valor do
frete (mesmo quando não expressamente destacado na nota fiscal) compõe a base
de cálculo para fins de apuração do valor devido ao Fisco a título de IPI.
Autores:
Letícia de Mello, é mestranda em
Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos),
especialista em Direito e Processo Penal pela Fundação Escola Superior do
Ministério Público (FMP), especializanda em Direito Penal Económico pelo
Instituto de Direito Penal Económico Europeu (IDPEE) da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais (IBCCrim), especializanda em Direito e Processo Tributário pela FMP,
graduada em Direito pela Unisinos, com período de mobilidade acadêmica na
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, professora convidada no
programa de pós-graduação em Direito da Faccat e advogada criminalista.
Marciano Buffon, é pós-doutor em Direito pela Faculdad de Derecho de la
Universidad de Sevilla (Espanha), doutor em Direito, (com ênfase em Direito do
Estado) pela Unisinos, e período de pesquisa na Universidade de Coimbra
(Portugal), mestre em Direito Público, advogado tributarista, com especialização
em Direito Empresarial, professor de Direito Tributário na Unisinos São
Leopoldo RS e em cursos de pós-graduação (especialização) em Direito Tributário
em outras instituições, professor no Programa de Pós-Graduação em Direito
(mestrado) da Unisinos e sócio/consultor jurídico-fiscal Buffon & Furlan
Advogados Associados, membro do Conselho Técnico de Assuntos Tributários,
Legais e Financeiros da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul
(Fiergs) e autor dos livros Tributação e Dignidade Humana: entre Direitos
e Deveres Fundamentais e Tributação, Desigualdade e Mudanças
Climáticas: como o Capitalismo Evitará seu Colapso.