Desde o final de abril o Rio Grande do Sul
enfrenta uma grave crise provocada pelas enchentes que assolam a região. As
inundações, decorrentes das fortes chuvas que ocorreram em curto espaço de
tempo, abalaram boa parte da população sul-riograndense.
Os mais conhecidos veículos de notícias
compartilham diariamente cenas lamentáveis, incluindo casas e fábricas
totalmente inundadas, além de inúmeras mortes e desaparecimentos de habitantes
ribeirinhos.
A gravidade da situação foi tamanha que
levou o estado, juntamente com diversos municípios, a decretar estado de
calamidade. Em uma apertada síntese, o estado de calamidade pública consiste em
situação reconhecidamente anormal, decorrente de desastre (natural ou
provocado) e que causa danos graves à comunidade, inclusive ameaçando a vida da
população. Ou seja, exatamente a situação enfrentada pelo estado do Rio Grande
do Sul.
Assim, diante deste cenário caótico, onde
muitas empresas foram fechadas por tempo indeterminado e trabalhadores foram
alojados em abrigos voluntários devido à inundação em suas casas, é normal que
surjam dúvidas relativas aos contratos de trabalho vigentes. Com o objetivo de
esclarecer essas questões, no dia 10 de maio, o Ministério Público do Trabalho
expediu a Recomendação nº 02/2024, destinada aos empregadores do RS, com
orientações e medidas trabalhistas a serem adotadas durante o cenário de
calamidade pública.
Entre essas medidas recomendadas pelo MPT
estão:
a implementação do teletrabalho
a antecipação de férias individuais
a concessão de férias coletivas
aproveitamento e antecipação de feriados
a adoção de banco de horas
a qualificação profissional de que trata o
artigo 476-A da CLT.
Requisitos
No entanto, para a
sua correta adoção, faz-se necessário que o empregador observe os requisitos de
implantação e condicionantes estabelecidas na Lei 14.437/2022 (antiga Medida
Provisória nº 1.109 de 2022), promulgada com o objetivo de autorizar o
Poder Executivo a flexibilizar regras da CLT, dispondo sobre a adoção de
medidas trabalhistas alternativas para o enfrentamento das consequências
sociais e econômicas causadas pelo estado de calamidade. A partir disso, a lei
trata de forma minuciosa todos os procedimentos para a correta implementação
dessas medidas, com o intuito de garantir a manutenção das empresas, bem como a
renda e salário dos trabalhadores em situação de vulnerabilidade.
Além da exposição
das medidas alternativas, o MPT esclareceu uma dúvida recebida frequentemente
nos escritórios de advocacia e de recursos humanos: como deve ser feito o
pagamento do salário dos trabalhadores que estão em zona de risco e não
conseguem se deslocar até o serviço?
Sobre esse ponto, o
órgão ministerial não abriu margem para dúvidas, consignando que as faltas ao
trabalho devidamente justificadas pela exposição direta a alagamentos,
enchentes e outras situações de força maior ocasionadas pela calamidade pública
não devem ocasionar perdas salariais aos trabalhadores expostos, de modo que
sejam devidamente abonadas ou adotadas as medidas trabalhistas alternativas
previstas.
Ademais, alertou
sobre a impossibilidade de qualquer suspensão temporária do contrato de
trabalho, como a cessação temporária da prestação de serviços e da obrigação de
pagamento dos salários, enquanto não houver Programa Emergencial de Manutenção
do Emprego e da Renda, instituído pelo governo federal, de modo a garantir a
existência de contrapartidas aos trabalhadores.
Fica claro que o
intuito da Recomendação nº 02/2024 é coibir a ocorrência de violências e
assédio moral aos trabalhadores atingidos, direta ou indiretamente, pela
catástrofe ambiental, bem como trazer alternativas para minimizar o impacto
financeiro sofrido pelas empresas igualmente atingidas. Portanto, é
interessante que os empregadores do RS fiquem atentos às medidas alternativas
expostas pelo MPT e ponderem sobre a sua adoção aos contratos de trabalho
ativos.
Referências
Lei nº 14.437, de 15 de agosto de 2022.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14437.htm.
Acesso em: 15 de maio de 2024.
Recomendação nº 02/2024 do Ministério
Público do Trabalho. Disponível em: https://www.prt4.mpt.mp.br/servicos/recomendacoes?task=baixa&format=raw&arq=H4bne4EQZT_FpBIADX9WQhapRjpGSRq4cIlN7SCibQf9yjzSH6H7Sza7r3b0xupDDEjgYMs4Ap1yFj5Guqrw1ao1rN24Fo2juJeY40PiZyBH5xaoJ7At27YL93Q5avsu.
Acesso em 15 de maio de 2024.
Autora:
Victoria Tlustak Soares, é advogada no Escritório Hartwig de Advocacia,
graduada em Direito pela Universidade Federal de Pelotas e pós-graduanda em
Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul.