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Modernização do processo tributário em face da reforma do consumo


Publicada em 09/06/2024 às 09:00h 

Entre os desafios para a implementação da reforma tributária do consumo, aprovada por meio da Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023, está a regulamentação do contencioso administrativo e judicial tributário, que passará a julgar as novas espécies tributárias surgidas, bem como a necessidade de que o processo tributário, de modo geral, acompanhe os conceitos de modernização, simplificação e eficiência propostos pela mencionada reforma.


A par da consideração que o sistema tributário brasileiro engloba todos os tributos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, bem como o arcabouço normativo que o regulamenta e o aparato administrativo de cobrança e fiscalização [1], ressaltamos que a Constituição não traz previsão expressa quanto ao contencioso administrativo, o que não conduz, de toda forma, à vedação ou negação do instituto [2]. De todo modo, determina a EC 132/23 que, para regulamentar o novo contencioso, necessário aprovar Lei Complementar tratando do processo tributário [3].

Nossa atenção, por ora, volta-se ao fato que, em momento anterior à aprovação da reforma tributária do consumo, em fevereiro de 2022, foi instituída uma comissão de juristas [4], sob a presidência da ministra Regina Helena Costa, com a missão de elaborar anteprojetos de proposições legislativas visando a reforma do processo administrativo e do processo tributário brasileiro, propondo normas que incentivem a solução consensual de conflitos em matéria tributária, a redução do contencioso tributário, a desjudicialização, a diminuição da litigiosidade entre fisco e contribuintes, a simplificação de processos e a composição entre as partes [5].


Decorridos sete meses, em setembro de 2022, a comissão apresentou ao Senado 11 propostas, sendo: oito projetos de lei (PLs nº 2.481/2022; nº 2.483/2022; nº 2.484/2022; nº 2.485/2022; nº 2.486/2022; nº 2.488/2022; nº 2.489/2022; nº 2.490/2022), dois projetos de lei complementar (PLP nº 124/2022 e PLP nº 125/2022) e uma indicação (INS 56/2022) esta, sugerindo ao Poder Executivo Federal a regulamentação da atuação do conselheiro representante do contribuinte no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) [6]. Em síntese, essas são as matérias:


PLP 124/2022 - Dispõe sobre normas gerais de prevenção de litígio, consensualidade e processo administrativo, em matéria tributária.


PLP 125/2022 - Estabelece normas gerais relativas a direitos, garantias e deveres dos contribuintes.


PL 2481/2022 - Reforma da Lei 9.784/1999 (Lei do Processo Administrativo).


PL 2483/2022 - Dispõe sobre o processo administrativo tributário federal e dá outras providências.

PL 2484/2022 - Dispõe sobre o processo de consulta quanto à aplicação da legislação tributária e aduaneira federal.


PL 2485/2022 - Dispõe sobre a mediação tributária na União e dá outras providências.


PL 2486/2022 - Dispõe sobre a arbitragem em matéria tributária e aduaneira.


PL 2488/2022 - Dispõe sobre a cobrança da dívida ativa da União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e das respectivas autarquias e fundações de direito público, e dá outras providências.


PL 2489/2022 - Dispõe sobre as custas devidas à União, na Justiça Federal de primeiro e segundo graus, e dá outras providências.


PL 2490/2022 - Dá nova redação ao artigo 11 do Decreto-Lei 401, de 30 de dezembro de 1968.

Processo tributário


Ao passar despercebido pela maioria dos olhares, a comissão priorizou o termo processo tributário, no lugar do processo fiscal; mudança essa de paradigma que carrega, em si, juízo axiológico. De acordo com a doutrina de Alcides Jorge Costa, em momento anterior à existência do Estado de Direito, prevalecia o Estado de Polícia onde vigia a doutrina do Fisco fundada na ideia de que o patrimônio público pertencia ao Fisco, com personalidade própria, e submetia-se às mesmas normas jurídicas e justiça que os particulares. Com o estabelecimento do Estado de Direito, o Fisco deixou de ter personalidade própria e o Estado passou a ter personalidade una, passando o patrimônio público à tutela do direito público [7].


Seguindo essa lógica, a relação jurídico tributária passa a ser tutelada pela supremacia do interesse público sobre o particular, de um lado, e, inevitavelmente, de garantias constitucionais ao contribuinte, de outro. Se o Brasil tem na arrecadação tributária a maior fonte de recursos para custeio de suas atividades, imprescindível que sejam instituídas as devidas garantias, materiais e processuais, a favor dos contribuintes, como forma de limitar o poder de tributar do Estado [8].


Eis aqui a lembrança que a reforma tributária do consumo não atingirá seus ideais caso deixe de lado as garantias processuais de todos os contribuintes.

Como bem se sabe, a Emenda Constitucional nº 132/2023 instituiu no ordenamento tributário duas espécies tributárias novas, a Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), o primeiro de competência da União e o segundo de competência dos estados, dos municípios e do Distrito Federal. Determinou, ainda, que os novos tributos deverão observar as mesmas regras em relação a  fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos; imunidades; regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação; regras de não cumulatividade e de creditamento. Por essa razão, foram apelidados de irmãos gêmeos.


A necessidade de uma emenda constitucional para instituir a reforma tributária do consumo dá-se em razão da extinção de antigos tributos, substituídos por outros novos, alterando a competência constitucional para instituição dos novos tributos. A competência tributária refere-se à esfera de atuação própria de cada pessoa jurídica de Direito Público (União, estados, Distrito Federal e municípios), e pode ser exclusiva, se apenas um ente atua, ou concorrente, se há mais de um ente atuando em conjunto. Assim, de acordo com a competência definida pela Constituição, cada ente será competente para instituir os tributos, por meio de lei própria [9].


Dentro do racional que tributos federais são julgados por órgãos judiciais e administrativos federais, e o mesmo ocorre com tributos estaduais e municipais, alguns imbróglios ganham destaque, como peças de um quebra-cabeça.


O que se tem, até o momento, é que as discussões legislativas referentes à regulamentação da reforma tributária do consumo e aquelas relacionadas à modernização do processo tributário tramitam de forma paralela e independentes no Congresso. Contudo, é imprescindível que dialoguem entre si, de forma amistosa e cooperativa, para que os frutos de ambas sejam devidamente colhidos.


Vale dizer, há um caminho de mão dupla a ser percorrido por ambas reformas, material e processual, para que possam resultar em possível avanço e modernização do sistema tributário brasileiro, tema este que será o foco da nossa atenção pelos próximos passos esperados.


[1] CARDOSO, Alessandro Mendes. Processo Legislativo Tributário Federal e bloqueios à concretização do projeto constitucional: Análise em face dos pressupostos de racionalidade legislativa de Manuel Atienza. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2023, p. 277.

[2] FALLET, Allan. A Natureza Jurídica do Processo Administrativo Fiscal. São Paulo: Noeses, 2019, p. 33.

[3] Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (.)

5º Lei complementar disporá sobre: (.)

VII - o processo administrativo fiscal do imposto;

[4] Ato Conjunto dos Presidentes do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal nº 1

[5] Comissão que moderniza processos tributário e administrativo finaliza trabalhos nesta terça - Senado Notícias

[6] Sugestões de comissão sobre processos tributário e administrativo viram projetos - Senado Notícias

[7] COSTA, Alcides Jorge. Algumas notas sobre a relação jurídica tributária. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurélio. (coord.) Direito tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 21-35.

[8] SERGIO, André Rocha. Fundamentos do Direito Tributário Brasileiro. Belo Horizonte: Letramento, 2020, p. 19.

[9] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 251.

Ana Claudia Borges de Oliveira


Autora: Ana Claudia Borges de Oliveira, é conselheira da 2ª Seção do Carf, presidente da Aconcarf, especialização em Direito Tributário e Finanças Públicas (IDP), mestrado em Direito Tributário (IBDT), pesquisadora dos grupos Mulheres, Tributação e Políticas Públicas (USP), Tributação sobre Operações Envolvendo Criptoativos (USP), Observatório da Macrolitigância Fiscal (IDP) e Tributação do Agronegócio no Brasil e no Direito Comparado (IBDT). Professora convidada de Direito Tributário na UnB, PUC-SP e IBDT.








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