A posição do STJ
reflete uma adesão à literalidade do disposto em contrato social. Todavia,
sustenta-se também ser possível demonstrar-se boa-fé por meio da estruturação
de acordo de sócios.
Neste texto expresso, sem prejuízo de
maiores reflexões sobre a matéria, inclusive no plano científico e acadêmico,
expõe-se importante decisão do egrégio STJ no REsp 2.142.834-SP, cuja relatoria
coube ao ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado por unanimidade da 3ª
turma em 11/6/24.
As sociedades empresárias segundo parte
significativa da doutrina comercialista possuem a natureza jurídica de
contratos plurilaterais, na medida em que manifestam em seu mais elevado grau a
liberdade econômica e a autonomia privada entre as partes envolvidas,
denominadas sócios. Essa condição atribui às sociedades empresárias grande
responsabilidade como agentes econômicos, na medida em que a prática de atos
ilícitos pode repercutir no tecido social considerando as normas de Direito
Econômico também incidentes nas relações empresariais.
O destaque ao aludido julgamento contido no
Informativo 816 do eg. STJ traz a seguinte suma: "A retirada de valores do
caixa da sociedade, em contrariedade ao deliberado em reunião de sócios,
configura falta grave, apta a justificar a exclusão de sócio".
Semelhantemente, nas informações do inteiro
teor publicadas, é afirmado que: "A despeito da noção de falta grave
consistir em conceito jurídico indeterminado, no caso, a conduta do sócio
violou a integridade patrimonial da sociedade e concretizou descumprimento dos
deveres de sócio, em evidente violação do contrato social e da lei, o que
configura prática de falta grave, apta a justificar a exclusão de sócio".
O contrato social é instrumento formal
misto, que não apenas institui a sociedade empresária mas também regula o
mínimo existencial na relação entre os sócios, podendo ser considerado um dos
baluartes de aplicação dos princípios da boa-fé e da preservação da empresa,
cujo amálgama repercute na função social das sociedades empresárias como
agentes econômicos relevantes.
Muitas das vezes a sorte das sociedades
empresárias poderá repercutir em toda a economia nacional (grandes corporações)
ou mesmo na economia local (sociedades empresárias classificadas como
microempresas ou empresas de pequeno porte - MEs e EPPs - para efeitos de
tributação pelo regime do "Simples Nacional" nos termos da Lei
Complementar Federal 123/06. Logo, o estrito cumprimento do contrato social é
requisito fundamental para a preservação da empresa e sua consequente função
social.
Mas o que fazer quando há alterações na
estrutura de distribuição de lucros por força das vicissitudes próprias da
relação empresarial? Em muitas sociedades, o sócio-administrador enfrenta
desafios na relação com os demais sócios, sendo fundamental uma postura
mediadora para que se possa compreender o momento não apenas da sociedade, mas
vida dos sócios envolvidos (ex.: sócio que passa por dificuldades financeiras
temporárias e não pode aportar recursos à sociedade; sócio até então casado que
passa por processo de divórcio que poderá repercutir na sociedade empresária da
qual faz parte; sócio que falece e é sucedido por seu espólio representado por
inventariante enquanto não se encerra processo de inventário judicial).
Como se pode perceber, múltiplas variáveis
podem justificar distribuição diversa de lucros daquela prevista em contrato
social. Nesse sentido, duas condutas podem ser tomadas: 1) convoca-se
formalmente assembleia societária (seja na forma propriamente de assembleia ou
de reunião de sócios, a depender do tipo societário considerado) para se
definir como passará a ser, temporária ou permanentemente, a distribuição de
lucros; 2) elabora-se acordo de sócios (acionistas ou quotistas, também a
depender do tipo societário considerado) com especificações e complementações
ao que se encontra previsto no contrato social.
Fato é que a opção 1, embora mais simples,
pode não ser a mais adequada, pois muitas vezes as assembleias societárias são
custosas em tempo e recursos da sociedade, além de representar no direito
brasileiro elevada burocracia. Muitas vezes as decisões societárias são tomadas
por simples conversas (ou, a partir do século XXI com a evolução tecnológica,
por mensagens telefônicas em aplicativos próprios). E a boa-fé entra novamente
em cena: se um dos sócios, mal intencionado, ao se retirar da sociedade resolve
fazer valer o que se encontra descrito no contrato social, pode se tornar muito
difícil reunir documentos (acervo probatório documental) para se atestar que
todos os sócios sabiam da nova distribuição de lucros.
A opção 2 (estruturação de um acordo de
quotistas ou acionistas), por sua vez, considera-se a mais adequada, na medida
em que haverá o registro escrito de diversos temas que ou não estão escritos no
contrato social ou são omissos ou mesmo ambíguos, permitindo alteração de forma
menos dispendiosa e burocrática que a alteração de contrato social,
obrigatoriamente feita em Junta Comercial para que possa ter validade.
Torna-se cada vez mais necessário aos
advogados não se limitarem ao ramo da Ciência Jurídica em que se especializaram
(e.g. Direito Empresarial), pois em situações como o tema deste artigo há a
necessidade de uma compreensão holística do Direito de Empresa, Direito
Econômico, Direito Contratual e mesmo do Direito Penal, na medida em que
situações de retirada de valores de caixa (não de distribuição
irregular/diferenciada de lucros) por um dos sócios, sem aquiescência dos
demais ou aporte de recursos em compensação, poderão configurar fraude
societária que se reflete nos crimes de apropriação indébita ou mesmo de
estelionato (Código Penal Brasileiro - decreto-lei Federal 2.848/40, arts. 168
e 171), a depender do caso.
Autor:
Divo Augusto Cavadas, advogado, Consultor Empresarial e Professor de Direito.
Sócio da Cavadas, Lainetti & Barreto de Mello Advogados. Doutorando em
Direito e Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (FND/UFRJ).
Fonte:
https://www.migalhas.com.br/depeso/410141/distribuicao-de-lucros-jurisprudencia-e-pratica-do-direito-societario