A transferência de patrimônio para holdings
apresenta benefícios significativos, incluindo a potencial imunidade do ITBI,
desde que observadas as condições legais e jurisprudenciais estabelecidas.
Introdução
Nos últimos anos, o uso das holdings tem se
consolidado como uma estratégia eficiente de planejamento patrimonial e
sucessório no Brasil, oferecendo vantagens fiscais significativas em comparação
à administração de bens por pessoas físicas. Esta prática tem atraído cada vez
mais empreendedores e investidores, interessados em uma gestão patrimonial mais
organizada e eficiente. No entanto, um ponto que gera frequentes dúvidas é a questão
da incidência do ITBI - Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis na
transferência de bens para holdings. Este artigo aborda a obrigatoriedade do
ITBI nessas transações, com foco nas nuances legais e interpretações recentes
do STF.
1. Entendendo a Imunidade do ITBI
O ITBI é um imposto municipal previsto no
art. 156, inciso II da Constituição Federal, incidente sobre a transmissão de
propriedade de bens imóveis. No entanto, a Constituição também prevê hipóteses
de imunidade a este imposto. De acordo com o art. 156, §2º, inciso I:
"Art. 156. Compete aos municípios
instituir impostos sobre: ... II - transmissão "inter vivos", a
qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão
física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como
cessão de direitos a sua aquisição; ... §2º. O imposto previsto no inciso II: I
- não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio
de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou
direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa
jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a
compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento
mercantil;"
Dessa forma, quando a atividade
preponderante da holding não for imobiliária, a transferência de imóveis para
integralização de capital é, em regra, imune de ITBI.
2. Análise do Tema 796 do STF
A discussão sobre a imunidade do ITBI foi
aprofundada pelo STF no julgamento do RE 796.376, que originou o Tema 796. A
tese firmada estabelece que a imunidade do ITBI não se aplica ao valor dos bens
que exceder o limite do capital social a ser integralizado. Na pratica, mas
distorcendo a decisão original, os municípios tem entendido que se o valor de
mercado do imóvel transferido for superior ao valor declarado como capital
social (o que na grande maioria dos casos, acontece), a diferença estaria
sujeita ao ITBI.
Por exemplo, se um imóvel avaliado em R$ 4
milhões é transferido para uma holding com valor declarado no imposto de renda
de R$ 1 milhão, a diferença de R$ 3 milhões estaria sujeita ao ITBI, conforme a
alíquota definida pelo município.
3. Controvérsias e interpretações
municipais
Apesar da clareza do acórdão do STF, muitos
municípios têm interpretado de forma "inovadora" a decisão, aplicando
o ITBI sobre a diferença entre o valor de mercado e o valor declarado, mesmo em
casos onde não há excedente em relação ao capital social. Tal prática é considerada
inconstitucional, uma vez que desconsidera o contexto completo do julgamento e
as especificidades legais da integralização de capital.
4. Imunidade em integralizações e
atividade preponderante
É crucial entender que a imunidade do ITBI
se aplica quando a transferência de bens é destinada à integralização de
capital, desde que a atividade preponderante da holding não seja imobiliária.
Esta condição abrange tanto a primeira parte do inciso I do §2º, que é
incondicional, quanto a segunda parte, que condiciona a imunidade à natureza da
atividade preponderante.
5. Impactos da decisão do STF e ações
legais
A decisão do STF no Tema 796 não menciona a
cobrança de ITBI sobre a diferença entre valor integralizado e valor de
mercado, exceto nos casos onde parte da integralização destina-se à reserva.
Portanto, qualquer cobrança adicional de ITBI baseada na diferença de valores é
indevida e deve ser combatida judicialmente.
Empreendedores e investidores devem estar
atentos a essas nuances e buscar orientação jurídica especializada para
impugnar cobranças indevidas de ITBI. Existem instrumentos legais que permitem
prevenir tais cobranças e, se necessário, recuperar valores pagos
indevidamente.
6. Estratégias de planejamento
patrimonial
O planejamento patrimonial via holding
oferece diversas vantagens, incluindo proteção do patrimônio, eficiência
tributária e sucessão planejada. A proteção patrimonial é especialmente
relevante em contextos empresariais, onde a separação dos bens pessoais e
empresariais pode prevenir riscos e responsabilidades.
A eficiência tributária é um dos principais
atrativos, pois as holdings podem possibilitar a redução da carga tributária
sobre rendimentos e ganhos de capital. Além disso, a sucessão planejada permite
a transferência ordenada de bens
7. Casos práticos e jurisprudências
Analisando casos práticos e jurisprudências
recentes, podemos observar que a interpretação do STF tem sido aplicada de
forma variada pelos tribunais inferiores. Em muitos casos, os contribuintes têm
conseguido reverter cobranças indevidas de ITBI com base na decisão do Tema
796.
Um exemplo notável é o caso de uma empresa
no setor de tecnologia que transferiu sua sede para uma holding. A prefeitura
local tentou cobrar ITBI sobre a diferença entre o valor de mercado e o valor
declarado, mas a empresa conseguiu anular a cobrança demonstrando que a
integralização do capital estava de acordo com as diretrizes do STF.
8. Desafios e perspectivas futuras
O principal desafio para planejamentos hoje
é justamente lidar com a interpretação variável das normas pelos municípios. A
falta de uniformidade nas decisões pode gerar insegurança jurídica,
dificultando o planejamento patrimonial e sucessório.
Para o futuro, sinceramente ainda não é
esperado que haja um aprimoramento nas regulamentações e uma maior clareza nas
interpretações jurídicas, portanto me aprece que ainda estamos distantes de um
ambiente mais seguro e previsível para as holdings. Especialmente considerando
que do outro lado temos um órgão eminentemente arrecadatório, e não consultivo.
Conclusão
A transferência de patrimônio para holdings
apresenta benefícios significativos, incluindo a potencial imunidade do ITBI,
desde que observadas as condições legais e jurisprudenciais estabelecidas. É
essencial que empreendedores e investidores compreendam essas nuances para
evitar custos indevidos e garantir uma gestão patrimonial eficiente. A decisão
do STF no Tema 796 reforça a necessidade de uma interpretação cuidadosa e
correta das normas tributárias, evitando a aplicação inadequada de impostos
pelos municípios. Consultar um advogado especializado é fundamental para
navegar essas complexidades e assegurar que os direitos do contribuinte sejam
respeitados.
Em resumo, enquanto a prática de
transferência de bens para holdings pode proporcionar vantagens fiscais e
administrativas, é vital estar bem-informado e preparado para contestar
cobranças indevidas, garantindo assim uma gestão patrimonial robusta e alinhada
às melhores práticas legais e fiscais.
Autor: Lucas
Parreira. Sócio no Escritório Rosenthal e Sarfatis Metta. Mestre em Direito
Empresarial e Especialista em Direito Tributário, Direito Civil e Direito
Contratual.
Fonte:
https://www.migalhas.com.br/depeso/410233/imposto-sobre-itbi-e-transferencia-patrimonial-para-holdings