A reforma tributária é motivada por
diversos problemas enfrentados pelo sistema tributário brasileiro, incluindo o
excesso de obrigações acessórias, a complexidade na distribuição de
competências tributárias e a alta carga tributária.
A Emenda Constitucional nº 132/2023, publicada em 21 de dezembro de 2023,
trouxe mudanças importantes para o fim da guerra fiscal no Brasil. Entre as
principais mudanças estão:
a extinção dos benefícios fiscais concedidos pelos estados, exceto para os
casos previstos na própria Constituição, visando a uniformizar a tributação e
reduzir a competição desleal entre os Estados;
a definição de alíquotas pela União no caso da Contribuição sobre Bens e
Serviços (CBS) e pelos estados e municípios para o Imposto sobre bens e
serviços (IBS);
a adoção da tributação no destino, ou seja, os tributos passarão a ser exigidos
no destino, nos estados e municípios onde os produtos e serviços são
consumidos, e não mais na origem, onde estão localizadas
as empresas.
Para compreender o impacto dessas mudanças, é importante entender o contexto da
criação dos benefícios fiscais até o surgimento da guerra fiscal no Brasil.
O artigo 170 da Constituição estabelece como princípio essencial a redução das
desigualdades regionais.
Nesse prisma, o Estado adota a criação de políticas públicas a fim de modelar a
estrutura e os comportamentos econômicos da sociedade para reduzir as
desigualdades regionais.
Ao contrário das políticas públicas que são adotadas para um o público-alvo
específico, aquele que se encontra em patamar de desigualdade, os benefícios
fiscais são concedidos pelos entes federados para as empresas, sob
justificativa que tais renúncias de receita reduziram as desigualdades
regionais.
Nesse contexto, na década de 1950, houve um crescimento econômico significativo
na região Sudeste devido à concentração de indústrias multinacionais, o que
levou estados e municípios de outras regiões a buscar medidas para atrair
investimentos e aumentar a arrecadação. O ICMS (Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços) tornou-se um instrumento central nessa disputa, com
estados oferecendo reduções e isenções do imposto.
Para regular essa prática, foi sancionada pelo presidente da República a Lei
Complementar nº 24/75, criando o Conselho Nacional de Política Fazendária
(Confaz), responsável por deliberar sobre concessões e revogações de benefícios
fiscais.
Embora o Confaz tenha alcançado algum sucesso em promover a coordenação fiscal
e a transparência, enfrenta desafios contínuos devido à:
evasão de regras com Estados contornando decisões e implementando benefícios
fiscais indiretamente ou por meio de programas temporários;
desigualdades regionais, onde estados mais pobres alegam precisar de liberdade
para oferecer incentivos e competir com estados mais ricos;
complexidade burocrática, pois a exigência de unanimidade nas decisões torna o
processo de aprovação de benefícios fiscais lento e ineficiente.
Primeiros impactos da EC nº 132/2023
Com a Emenda Constitucional nº 132/2023, os estados perderão a capacidade de
utilizar benefícios fiscais como instrumento de atração de empresas, aumento de
arrecadação e redução das desigualdades regionais. Para minimizar essa perda,
foi proposto o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) que, segundo
Fernando Appy, será mais eficiente para promover o desenvolvimento
socioeconômico dos estados sem depender de incentivos fiscais, e assim, banir a
guerra fiscal.
O FNDR pretende promover o desenvolvimento socioeconômico dos estados de forma
mais eficiente e equitativa, substituindo os antigos benefícios fiscais por
investimentos diretos em infraestrutura e outras áreas prioritárias.
No entanto, a resposta inicial dos estados ao fim dos benefícios fiscais tem
sido o aumento exacerbado das alíquotas do ICMS para compensar a futura perda
de arrecadação. Isso pode criar um novo cenário de guerra fiscal, mesmo antes
da plena implementação da reforma tributária.
Reorganização logística e impactos regionais
A determinação da tributação no destino obrigará as empresas a rearranjarem
suas redes logísticas, aumentando a concentração das operações nas regiões Sul
e Sudeste, que possuem melhor infraestrutura e proximidade com os mercados
consumidores. Esse movimento já está resultando na locação de galpões nessas
regiões, com as empresas focando na variação de preços, demanda por bens e
agilidade na entrega, ao invés de considerar a carga tributária como parâmetro.
Atualmente, o Brasil apresenta uma distribuição econômica e logística
relativamente equilibrada entre as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Essa
configuração reflete a localização estratégica de várias atividades econômicas
e a concessão de benefícios fiscais que influenciaram a decisão de localização
das empresas.
No estado de Goiás há uma concentração significativa de distribuidoras de
medicamentos. Esse fenômeno é amplamente atribuído aos benefícios fiscais de
ICMS concedidos pelo estado, que tornaram a região um polo atraente para
empresas do setor farmacêutico.
Já Santa Catarina se destaca pela concentração de empresas especializadas no
desembaraço aduaneiro. Embora o Porto de Santos possua melhor infraestrutura,
muitas empresas optam por operar em Santa Catarina devido à concessão de
benefícios portuários que resultam em uma redução de impostos. Esses incentivos
fiscais tornam os portos catarinenses uma escolha econômica e vantajosa para
muitas empresas.
Na cidade de Extrema (MG), observa-se uma elevada concentração de centros de
distribuição. Essa escolha é motivada tanto pela oferta de redução do ICMS
quanto pela proximidade com o Estado de São Paulo, um dos maiores mercados
consumidores do País. A localização estratégica e os incentivos fiscais
oferecidos tornam Extrema um local ideal para a instalação de operações
logísticas.
Nesse sentido, a distribuição econômica e logística no Brasil é fortemente
influenciada por benefícios fiscais regionais. Estados como Goiás, Santa
Catarina e Minas Gerais têm utilizado incentivos fiscais para atrair empresas,
fomentar o desenvolvimento econômico local e aumentar a arrecadação.
Com a reforma tributária e o fim desses benefícios, a vantagem fiscal dessas
regiões diminuirá potencialmente, resultando em uma redistribuição das empresas
para áreas com melhor infraestrutura e proximidade aos mercados consumidores,
como São Paulo e Rio de Janeiro, o que pode impactar significativamente a
estrutura logística e econômica do país, exacerbando as desigualdades
regionais.
Essa mudança pode afetar negativamente a arrecadação e a geração de empregos em
regiões mais afastadas do Brasil. Portanto, é urgente reavaliarmos os impactos
tributários regionais da reforma para mitigarmos possíveis desequilíbrios
econômicos.
Conclusão
A reforma tributária representa uma tentativa de modernizar e simplificar o
sistema tributário brasileiro, tornando-o mais justo e eficiente. No entanto,
seus impactos serão amplamente sentidos por empresas e Estados que precisarão
se adaptar a um novo cenário competitivo. Enquanto a uniformização tributária,
o fim dos benefícios fiscais e a redução da guerra fiscal são objetivos
louváveis, a transição exigirá planejamento cuidadoso para garantir que os
tributos apurados sejam distribuídos de forma equitativa e que as desigualdades
regionais não sejam exacerbadas.
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Autores:
Kelzer
Schneider Hernandes é advogada tributarista na JBS S.A.
Stela
Santos Fiaes Vieira é graduanda em direito pela Universidade do Estado da Bahia
(UNEB) e estagiária em direito tributário no Matos Sobrinho Sociedade de
advogados.