A reforma tributária brasileira está em
andamento, trazendo à tona discussões cruciais sobre mecanismos como o split
payment. Enquanto essa medida pode favorecer a arrecadação pública, as
implicações para as empresas, especialmente no que tange ao fluxo de caixa e à
tomada de crédito, são significativas. Será que podemos realmente implementar
uma reforma eficiente sem prejudicar a saúde financeira dos negócios?
Neste artigo, exploraremos o impacto do
split payment no fluxo de caixa e nas possibilidades de crédito das empresas,
destacando as interseções com o PLP 68/24 e analisando se a reforma tributária
pode ser viável sem comprometer a liquidez das empresas.
O split payment é um mecanismo onde o valor
correspondente ao imposto é automaticamente transferido para o governo no
momento da liquidação financeira, segregando o imposto do valor líquido devido
à empresa vendedora.
Por exemplo, se um produto custa R$ 100 com
R$ 20 de imposto, R$ 80 vão para o vendedor e R$ 20 para o governo.
Esse modelo foi adotado inicialmente na
Itália em 2015 e se mostrou eficaz na redução da sonegação fiscal. A Polônia
adotou o modelo em 2018, resultando em uma melhoria na arrecadação.
Para uma visão mais detalhada sobre como o
split payment opera e seus fundamentos, veja nosso artigo anterior.
Ao segregar o imposto no momento da
liquidação, o split payment reduz imediatamente o valor que entra no caixa da
empresa, impactando diretamente o capital disponível para operações correntes e
dificultando a gestão de caixa.
O fluxo de caixa é essencial para a
manutenção das operações diárias de uma empresa. Com o split payment, as
empresas perdem acesso a uma parte significativa dos recursos que seriam
utilizados para capital de giro, o que pode comprometer a capacidade de
pagamento a fornecedores, funcionários e outras despesas fixas.
As PMEs, que têm menos acesso a linhas de
crédito e menor capacidade de absorver impactos financeiros, são
particularmente vulneráveis. A perda de liquidez imediata pode limitar sua
capacidade de expansão e investimento, além de aumentar o risco de
inadimplência.
O PLP 68/24, ao prever mudanças na forma de
apropriação e compensação de créditos tributários, pode aumentar as
dificuldades das empresas na gestão de caixa. A segregação dos impostos pela
via do split payment, combinada com a necessidade do efetivo pagamento do
tributo para a tomada de créditos, pode criar um ambiente de incerteza
financeira para as empresas.
Por exemplo, imagine uma empresa de
construção civil que adquire materiais a prazo com pagamento em 90 dias. No
modelo atual, ela poderia utilizar o crédito de imposto na sua apuração mesmo
antes de pagar seus fornecedores. Com o split payment, essa empresa só poderá
tomar crédito quando efetuar o pagamento ao fornecedor, o que significa que ela
terá menos recursos disponíveis para financiar suas operações durante esse
período, potencialmente atrasando projetos e impactando seu cronograma de
entrega.
Com a possível redução da liquidez imediata
devido ao split payment e as novas regras de crédito, as empresas podem
encontrar maiores desafios para financiar suas operações e honrar compromissos
financeiros, especialmente em setores que dependem de margens apertadas.
Se uma empresa está acostumada com um prazo
maior para pagamento dos impostos (ICMS, PIS, Cofins, IPI, ISS) isso não vai
mais acontecer, será necessária uma mudança drástica nas relações comerciais da
empresa e da gestão tributária de seus recursos, pois ela não será mais a
responsável pelo pagamento do IBS e da CBS, recebendo seu valor líquido.
No entanto, ela precisará de uma gestão
muito eficiente sobre os créditos que possui direito, pois, da mesma forma que
ela receberá seus valores líquidos, os créditos somente serão apropriados
quando ocorrer o pagamento do tributo devido na compra, isso significa que
negociações de longo prazo (pagamento parcelado) poderão impactar também na
tomada de créditos.
A implementação do split payment, combinada
com as mudanças previstas no PLP 68/24, exigirá que as empresas adaptem seus
processos operacionais e sistemas financeiros, aumentando a complexidade e o
custo operacional.
Empresas podem precisar revisar suas políticas
de crédito, renegociar prazos com fornecedores e buscar alternativas de
financiamento para mitigar os impactos da perda de liquidez. A utilização de
tecnologia para automatizar processos pode ajudar, mas pode não estar ao
alcance de todas as empresas.
Será necessário que a empresa invista em
tecnologia para garantir o cumprimento de todas as obrigações acessórias,
especialmente durante o período de transição.
O próprio governo, considerando a
complexidade do sistema e necessidade de arcabouço tecnológico capaz de
garantir a efetividade do split payment iniciou um grupo de trabalhos para
tratar somente sobre esse assunto, situação em que as instituições financeiras
terão uma participação chave nessa implementação, haja vista que sem elas o
split não será possível.
Portanto, as empresarão terão a obrigação
de revisar constantemente o fluxo de caixa e ajustar as previsões financeiras,
pois essa revisão se tornará ainda mais crucial, especialmente para as PMEs que
precisam maximizar a eficiência de seus recursos limitados.
Outro ponto igualmente relevante é a
formação do preço da mercadoria com a chegada do Split Payment e o período de
transição. Entre 2026 e 2032, teremos dois sistemas convivendo juntos, um com
split payment e outro sem, se a empresa não souber calcular seu preço de venda
durante esse período ela poderá ter prejuízos significativos não só no seu
fluxo de caixa, mas também no seu lucro, resultando em uma margem negativa, ou
seja, pagando para trabalhar.
Por exemplo, uma empresa de comércio
eletrônico que opera em várias regiões do Brasil pode enfrentar dificuldades em
ajustar seus preços durante a transição. Se ela vende um produto por R$ 100,
apurando parte dos seus tributos no novo sistema e parte no antigo, ela terá
uma parte dos seus impostos pagos via split e parte não, se ela não souber
colocar ambos os tributos no preço, essa diferença pode resultar em margens de
lucro inconsistentes e, se mal gerida, em prejuízos significativos ao final do
mês.
A falta de uma estratégia clara pode levar
a um cenário onde, após pagar todos os impostos e despesas, a empresa acabe
operando com margens negativas.
Assim, embora o split payment ofereça
benefícios em termos de controle fiscal e arrecadação, a reforma tributária
deve ser viável para as empresas. Sem uma abordagem que equilibre a arrecadação
com a sustentabilidade financeira dos negócios, a reforma corre o risco de
criar novos desafios econômicos, particularmente em um ambiente já afetado por
restrições de crédito e mudanças legislativas.
Para que a reforma tributária seja
bem-sucedida, é essencial garantir um equilíbrio entre a necessidade de
arrecadação eficiente e a preservação da saúde financeira das empresas. Somente
assim será possível alcançar uma reforma que beneficie tanto o governo quanto o
setor produtivo.
Ignorar a preparação para o split payment e
as novas regras do PLP 68/24 não é uma opção. As empresas que se anteciparem a
essas mudanças terão uma vantagem competitiva, enquanto as que não o fizerem
poderão enfrentar sérias dificuldades financeiras.
Autora:
Bruna Kanning. Consultora e Advogada Tributarista com mais de 3 anos de
experiência, atuando na Taxes Brasil. Especialista em direito tributário.
Cocriadora do projeto Reformatributaria360.
Fonte:
https://www.migalhas.com.br/depeso/413202/split-payment-sem-ele-existe-reforma