Com as mudanças no hábito de consumo e a
expansão do comércio eletrônico, os shopping centers buscam estratégias para se
adaptar ao espírito do tempo. Entre as medidas observadas, há alterações
no tenant mix [1] (com mais ênfase à
alimentação, aos serviços e ao lazer) e o lançamento de projetos que integram
empreendimentos imobiliários comerciais e residenciais no mesmo espaço [2].
Nesse cenário de mudanças, recentemente o
Superior Tribunal de Justiça decidiu, por maioria de votos, que um shopping no
Rio de Janeiro não agiu de forma irregular ao permitir a instalação de um
restaurante de culinária japonesa em frente a outro já existente [3]. Contudo, tanto em primeira quanto em segunda
instância, o entendimento foi diferente, demonstrando que não há consenso sobre
a questão. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), ao reformar a
sentença, apontou a violação do tenant mix e determinou o pagamento
de indenização. Vale dizer que a inauguração do concorrente ocorreu em 2018,
quando a previsão contratual de preferência do primeiro restaurante já estava
extinta.
Tal medida ocasionou uma série de debates
sobre a vigência dos atuais contratos e um grande temor de alguns lojistas, que
acreditavam gozar de preferência, ou até exclusividade, por optar em exercer
sua atividade dentro de um shopping center.
Diante do cenário jurisprudencial, os
advogados foram acionados por uma série de dúvidas e questionamentos acerca dos
contratos desse segmento, especialmente no que se refere aos direitos e obrigações
de cada uma das partes.
Natureza jurídica dos contratos de Shopping
Center
Apesar de serem referenciados pela Lei nº
8.245/91 (Lei de Locações), a qual determina, em seu artigo 54, que "nas
relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as
condições livremente compactuadas nos contratos de locação respectivos", observado
esse dispositivo legal, fica evidente a liberdade de condições pactuadas como
um ditame nesse acordo comercial de natureza complexa.
Há de se observar também os princípios
previstos no Código Civil Brasileiro, sendo a liberdade contratual fundamental
para que as partes estabeleçam suas próprias regras no âmbito dos
negócios [4]. Esse princípio, no entanto, não é
absoluto e deve ser balanceado com outros direitos e deveres, especialmente em
ambientes de negócios complexos como os shopping centers.
A atipicidade dos contratos de shopping já
foi objeto de discussão judicial, tendo Recurso Especial 178908 julgado que "os
contratos de locação de espaços em shopping center são contratos atípicos,
ensejando locação de bens e serviços".
Desse modo, em atenção ao artigo 425 do
Código Civil Brasileiro, há possibilidade de estipular contratos atípicos,
desde que não contrariem a lei, considerando os elementos definidos pelas suas
vontades e interesses.
Esses contratos geralmente incluem
cláusulas que tratam não apenas do aluguel, mas também de aspectos como
marketing, rateio de despesas comuns, obrigações de funcionamento e políticas
de mix de lojas, todas voltadas para a manutenção de um ambiente comercial
dinâmico e atrativo ao público.
Dentro desse contexto, a cláusula de
exclusividade é um elemento comum nos contratos de shopping center,
estabelecendo que o lojista terá exclusividade na exploração de determinado
segmento ou tipo de produto dentro do empreendimento. No entanto, no sistema
jurídico brasileiro, essa cláusula deve ser interpretada e aplicada com
cautela.
Embora a exclusividade seja uma ferramenta
para garantir a atratividade e a diversidade do mix de lojas, sua aplicação
irrestrita pode ser questionada à luz dos princípios da livre concorrência e da
função social do contrato, conforme estabelecidos pela Constituição e pelo
Código Civil.
A limitação da cláusula de exclusividade
busca equilibrar os interesses dos lojistas e do shopping center, bem como
proteger os consumidores e o mercado. É essencial que essa cláusula seja
redigida de forma clara e objetiva, especificando os limites de sua aplicação,
a fim de evitar conflitos judiciais e assegurar que a sua implementação não
configure abuso de poder econômico ou práticas anticompetitivas. Além disso, o
desconhecimento dos lojistas sobre a possibilidade de concorrência, muitas
vezes decorrente da falta de transparência nos contratos, reforça a importância
de uma negociação equilibrada e da orientação jurídica adequada durante a
celebração desses contratos.
Conclusão
A evolução do mercado e as mudanças nos
hábitos de consumo exigem uma constante adaptação dos shopping centers, tanto
na reconfiguração de seus espaços quanto na renegociação dos contratos com os lojistas.
O entendimento da 3ª Turma do STJ sobre a não irregularidade da instalação de
um restaurante concorrente em frente a outro dentro de um shopping no Rio de
Janeiro é um importante precedente que reforça a importância da clareza nos
contratos empresariais e da interpretação restritiva das cláusulas de
exclusividade devido à complexidade e a delicadeza das relações contratuais
nesse ambiente.
A liberdade contratual, embora seja um
pilar fundamental nas negociações, não deve ser exercida de maneira irrestrita,
devendo sempre ser harmonizada com os princípios da função social do contrato e
da livre concorrência.
De maneira geral, a decisão do STJ deve ser
vista como um avanço na jurisprudência, promovendo um mercado mais justo e
competitivo, sem limitar a liberdade das partes, mas garantindo que essa
liberdade seja exercida de forma responsável e em consonância com os princípios
gerais do direito, especialmente com o conhecimento dos lojistas sobre as
possibilidades existentes.
[1] O
termo tenant mix é bastante utilizado nesse segmento econômico e
consiste na composição de tipos de inquilinos em um empreendimento de shopping
center, ou seja, a definição de qual inquilino ocupará qual loja, de modo que a
disposição dos espaços melhor atenda aos objetivos desejados.
[2] https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/shopping-centers/noticia/2024/07/11/modelo-em-mutacao.ghtml Acesso
em 08 de agosto de 2024.
[3] REsp 2.101.659
[4] Vale citar o art. 421 do CC: A
liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.
Autores:
Pedro Gabriel Romanini Turra
é
advogado, professor de Direito Empresarial em cursos de graduação e
pós-graduação e mestre pelo Centro de Economia e Administração da Puc-Campinas.
Luiz
Felipe Fogo
é
advogado pós-graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.