A tributação de bens imóveis no Brasil é
tradicionalmente simples, cumulativa e baixa. Na construção, temos PIS e Cofins
cumulativo e o ISS-empreitada, calculado sobre o preço do serviço, deduzidos os
materiais de construção; na incorporação, temos a tributação pelo regime
especial tributário, com alíquota unificada de 4% para IRPJ, CSLL, PIS e
Cofins, além do ITBI na transmissão.
O resultado desse modelo, ao longo do
tempo, foi a consolidação de uma cadeia de produção e consumo vertical,
concentrada, com alto resíduo tributário na composição dos preços e baixa
transparência sobre a carga efetiva final nos imóveis. Além disso, nunca foi de
fato desenvolvida no Brasil uma indústria de construção off site, dada a
assimetria tributária da construção no terreno (apenas com ISS, assegurada
dedução) e da aquisição de pré-moldados e pré-fabricados (com incidência de
ICMS e IPI).
Com a reforma tributária, pretende-se criar
um modelo neutro de tributação, sem distinção entre a construção e demais bens
e serviços, com carga fiscal mais transparente e com a eliminação do resíduo
fiscal. Assim, não haveria entrave ao desenvolvimento tecnológico da indústria
de construção, o mercado ficaria mais descentralizado e seria garantido crédito
na cadeia de produção. Mas uma tributação maior e mais complexa, ainda que
inteiramente não cumulativa, naturalmente gera reações. Como passar do sistema
barato e simples para o modelo IBS/CBS? Tornam ainda mais difícil esse debate
as incertezas sobre a estimativa do resíduo tributário e sobre qual seria a
alíquota de equilíbrio para a transição ao novo modelo.
As discussões em torno do regime específico
de bens imóveis avançaram bastante, com vitórias para o setor. O redutor da
alíquota foi a 40% (antes era 20%). Foi inserida a atualização monetária do
redutor social. Foi criada regra específica de redutor de ajuste para os
imóveis em construção. O valor de referência foi tornado opcional para a base
de cálculo. Foi inserida também uma regra mais clara quanto à permuta. Além
disso, as incorporadoras poderão pedir ressarcimento do crédito acumulado antes
do habite-se. Todas alterações muito bem-vindas ao projeto.
Mas temos também a inclusão da construção
civil no regime específico, através dos artigos 261 e 262, além do inciso V do
artigo 246. A regra prevista assegura o redutor de 40% para a construção civil.
Ao mesmo tempo, veda o crédito de IBS e da CBS na aquisição de bens e serviços
pelo construtor, na aquisição de materiais de construção. Em contrapartida,
mantém o sistema de dedução na aquisição sobre os mesmos materiais de
construção.
A regra tenta espelhar o modelo que existe
hoje no ISS-empreitada, que considera na base de cálculo o preço do serviço,
deduzidos os materiais. Nos termos do artigo 7º da LC 116, são excluídos da
base de cálculo do serviço de empreitada e outros correlatos os materiais
fornecidos pelo prestador de serviços. Ou seja, retoma-se para a construção
civil o atual modelo de tributação cumulativa baseada na receita, asseguradas
algumas deduções. A pressão para a inclusão da construção civil no regime
específico se explica em grande parte pela cultura estabelecida para tributação
nos moldes do ISS. A intenção seria manter a simplicidade do modelo atual.
Além disso, também se justifica uma
tributação mais baixa pelo fato de que o serviço de construção é prestado
também para consumidores finais, não apenas na fase intermediária da cadeia.
Mais ainda: grande parte das operações do Programa Minha Casa Minha Vida
(PMCMV) são realizadas através do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), que
é um regime de construção, não de incorporação. Dessa forma, seria preciso
garantir para a construção civil também alíquota mais baixa, com o redutor de
40% destinado para a incorporação e venda de imóveis prontos, sob pena de
impacto direto do IBS e da CBS sobre o custo dos imóveis no Brasil, sobretudo
para as faixas mais baixas de renda.
Ocorre que a inclusão da construção no
regime específico implica déficit ao modelo ideal almejado para o IBS e para a
CBS.
No modelo IVA ideal, não há justificativa
técnica para no serviço de construção civil se tributar a partir de uma técnica
de dedução. A experiência mundial é de que serviços de construção não estão no
regime especial de bens imóveis, mas apenas aluguel e venda. O regime
específico, no IBS/CBS, diferente do que estamos acostumados a ver no Brasil,
não tem a função de instituir benefícios fiscais; sua função consiste em
adequar a base de cálculo e alíquotas às situações e características de certos
bens e serviços.
Do ponto de vista econômico, a construção
se distingue da venda e locação de imóveis, inclusive decorrente de
incorporação ou parcelamento solo. A construção está mais próxima da atividade
industrial. A atividade carrega alto custo em insumos. Esse custo se reverte em
crédito. Por sua vez, o tomador do serviço de construção, em muitos casos um
incorporador ou desenvolvedor, se credita integralmente.
A alíquota uniforme garante a viabilidade
desse sistema não cumulativo e neutro. Dessa maneira, o custo da construção é
carregado na cadeia até o adquirente final do imóvel, o que torna dispensável
uma sistemática de deduções e pode ser comprometido se as alíquotas do
construtor forem reduzidas.
Num modelo em que a construção tem
alíquotas reduzidas, o crédito dos insumos segue a referência. No regime
especial de alíquotas reduzidas, ocorre acúmulo de crédito na entrada (100% da
alíquota de referência) com tributação reduzida na saída (40% sobre a receita),
além de tornar mais baratos os produtos que são associados ao serviço de
construção, apenas por estarem associados. Essas distorções causam certo
prejuízo de neutralidade tributária, o que idealmente deve ser evitado.
Vedação de crédito na entrada
Com o objetivo de atenuar esse efeito, foi
inserida a regra de vedação do crédito na entrada. A vedação ao crédito pelo
construtor decorre da redução de alíquota para o segmento. Ou seja, para evitar
uma distorção alocativa, qual seja, a de que os materiais de construção, quando
fornecidos na prestação de serviços de construção, teriam alíquota reduzida em
40%, veda-se o crédito e retoma-se o modelo de dedução da base. A técnica de
dedução da base de cálculo vem como contraponto à vedação do crédito.
E assim temos de volta o modelo do ISS para
a construção civil.
Ocorre que o modelo de dedução do ISS não é
efetivamente simples. A regra abre espaço para mais contencioso e maior
complexidade sobre a definição do que é ou não material de construção, tanto
para definição da base quanto para definição do crédito.
Na atual regra, temos hoje a discussão
sobre quais materiais são dedutíveis da base do ISS. O Parecer Normativo nº 3,
de 28 de dezembro de 2023, dispõe que a dedução dos materiais "aplica-se unicamente
aos materiais agregados de forma permanente à obra, produzidos por prestador de
serviços fora do local da obra e por ele destacadamente comercializados com a
incidência de ICMS".
O parecer vem na esteira da decisão do STF
no Tema 247, julgado em 2020, em que a Corte julgou constitucional a
interpretação conferida pelo STJ ao dispositivo do Decreto-Lei 406/68, idêntico
do artigo 7º da LC 116. Depois de ter o Supremo declarado constitucional, a 1ª
Seção do STJ retomou o entendimento de que os materiais dedutíveis do ISS são
os produzidos fora da obra e com destaque do ICMS, excluídos os materiais
produzidos pela própria empreiteira ou que não se agregam em definitivo na
obra. A matéria ainda não tem pacificação completa e, com o Parecer Normativo nº
3 de 2023, os contribuintes voltaram ao Tribunal de Justiça.
Outro ponto de possível discussão é quanto
à abertura para planejamento tributário, com insegurança jurídica sobre como
será interpretado o negócio. Poderá o desenvolvedor ou o incorporador contratar
os insumos que serão utilizados pelo construtor, tomando crédito por esses
insumos? O desenvolvedor tomaria esse crédito a 100% da alíquota do IBS e da
CBS, ainda que pagando pelo serviço de construção numa base menor, com redutor
de 40% na alíquota.
Discussões desse tipo e outras sobre a
natureza dos materiais de construção poderão gerar contencioso sobre o critério
de dedução da base do IBS e da CBS, como também na tomada de crédito pelo
construtor - só é vedado o crédito sobre o material de construção. No modelo de
débito-crédito com alíquotas uniformes, tais questões estariam mais bem
resolvidas, sem tanto espaço para contencioso.
Outro efeito indesejável da inclusão da
construção no regime específico é a persistência brasileira em criar
assimetrias fiscais em relação à construção off site. A regra de dedução
impõe mais uma vez o déficit de neutralidade que se pretendia eliminar com a
diferença entre ISS e ICMS/IPI, pois a fabricação de pré-moldados e
pré-fabricados não está abrangida pela redução de alíquota nem pela regra de
dedução - não se trata de construção, mas fabricação.
Dessa forma, se de um lado a inclusão da
construção civil no regime específico se fazia essencial para garantir uma
tributação mais baixa ao consumidor final adquirente desses serviços e para
alguns seguimentos do PMCMV, na construção de casas populares, especialmente,
por outro lado, a redação do projeto agrava a complexidade da tributação na
construção civil, com espaço para o contencioso que o modelo IBS/CBS pretendia
eliminar. Ademais, a assimetria decorrente do redutor de alíquota torna ainda
improvável o desenvolvimento da construção off site. São questões,
contudo, para as quais não parece haver solução política fácil, dada a
realidade social e cultural brasileira.
Autor:
Cristiano Luzes, é sócio do Serur Advogados e doutor pela PUC-SP.