O elo que conecta o
devedor ao seu patrimônio, frequentemente alocado em nome de pessoas
interpostas ou através de estruturas societárias fraudulentas, se coloca como
desafio adicional aos credores.
Não raro, o tema
está intimamente ligado a figura do sócio oculto, conhecida há tempos pelo
ordenamento jurídico brasileiro e que também responde perante terceiros se este
optar em participar da administração junto ao sócio ostensivo ou se deixar de
lado sua posição oculta.
O artigo 993 do
Código de Processo Civil (CPC), em parágrafo único, determina que sem
prejuízo do direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, o sócio
participante não pode tomar parte nas relações do sócio ostensivo com
terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em
que intervier.
Como regra, os
sócios não respondem com o seu patrimônio pessoal pelas dívidas da pessoa
jurídica. Contudo, em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado
pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir que
os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos
bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica, de acordo
com o artigo 855-A da CLT e CC/2002, art. 50.
Na mesma linha,
recente decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na análise
de recurso especial 2.055.325, também aponta que é possível utilizar o
incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), em modalidade
expansiva, para alcançar terceiro que exerça função de sócio oculto, como se
fosse empresário individual.
Um caso emblemático
em São Paulo pode ganhar novos contornos a partir desta consolidada
jurisprudência. O processo abarca milhares de credores trabalhistas, cíveis, fiscais
e outros que fazem parte do imbróglio judicial envolvendo o grupo chileno de
educação infantil Vitamina. Como contexto, o grupo chegou ao Brasil em 2019 com
a promessa de revolucionar o setor e, num início agressivo, comprou 37 escolas,
a maioria em São Paulo. Porém, quatro anos depois, se retirou silenciosamente,
deixando um rastro de dívidas e problemas judiciais.
Com base em
informações públicas, surge no processo um sócio oculto que pode trazer alívio
a um cenário que envolve, hoje, mais de 1 mil processos nas esferas
trabalhista, cível e fiscal e um montante de aproximadamente R$ 100 milhões.
Sob propriedade da
esposa brasileira do CEO do grupo foram identificados mais de 20 bens imóveis
no município de Viçosa (MG), o que a coloca numa posição capaz de honrar as
milionárias dívidas acumuladas.
Na análise do caso
específico, ao invés de transcrever o casamento em seu país de origem, Brasil,
conforme Lei Brasileira 6.015/73, investigações apontam autodeclarações
controversas sobre o estado civil da brasileira, que se autodeclara em
documentos públicos, como escrituras e procurações, ora solteira, ora casada
com presidente do grupo.
Além das evidências
de sócio oculto, há indícios de que os controladores do grupo possam estar
utilizando seus familiares no Brasil, especialmente por meio de procurações e
transações de doação, como sócios interpostos, associação ilícita de pessoas
jurídicas ou físicas ou injuridicidades semelhantes (como constituição de
sociedade empresária por fraude, abuso de direito ou seu exercício irregular),
com o fim de afastar o direito dos credores.
Vale lembrar que a
responsabilidade solidária é objetiva, ou seja, basta a mera caracterização do
grupo econômico ou a existência de sócio oculto, com a finalidade de praticar
fraudes, para que a responsabilidade pela execução seja estendida.
É o que acontece
neste emaranhado: a estrutura empresarial das empresas pertencentes ao Grupo
Vitamina no Brasil é regida por uma única sócia-geral, a empresa Vitamina
Holding SPA, offshore que tem como sócia majoritária, com 51% das ações, a
Sedna dos Spa. A offshore é controlada por intermédio de uma segunda offshore
(Asesorias e Inversiones Sedna Ltda), que possui o CEO e sua esposa como
sócios.
A jurisprudência do
TST (Tribunal Superior do Trabalho) é pacífica no sentido de admitir a inclusão
de sócio oculto no polo passivo de reclamações trabalhistas no início da ação,
na fase executória da sentença condenatória ou mediante a desconsideração da
personalidade jurídica da empresa, principal devedora, se esta não tiver
capacidade financeira e/ou bens suficientes para quitar o débito.
A desconsideração da
personalidade jurídica permite a extensão da execução do crédito contra empresa
que faça parte do mesmo grupo econômico e/ou de sócio oculto, inclusive em face
do representante legal da executada. Neste caso, a responsabilidade será
considerada solidária, isto é, qualquer empresa do grupo, sócio oculto ou
representante legal poderá responder integralmente pelo débito executado.
Os tribunais de São
Paulo têm decidido em linha com os princípios e normas da CLT e CPC no sentido
que o sócio oculto responde também pelos débitos trabalhistas, citando-se
jurisprudências recentes abaixo:
EXECUÇÃO EM FACE DA
COMPANHEIRA DO SÓCIO. UNIÃO ESTÁVEL EM REGIME DE SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS.
INDÍCIOS DE OCULTAÇÃO PATRIMONIAL. POSSIBILIDADE. Frustrada a execução em face
do devedor principal e havendo indícios de ocultação patrimonial por meio da
companheira do sócio-executado, mesmo quando a união se deu no regime de
separação total de bens, é possível o redirecionamento da execução para o
cônjuge. No caso, verificou-se um padrão consistente de ocultação patrimonial
por meio de aquisição de imóveis, investimentos financeiros elevados e criação
de novas empresas por parte da companheira, incompatível com a renda declarada,
após o início da união estável.
O fato de o devedor
ter ocultado seus bens, registrando-os no nome de sua companheira, não tem o
condão de garantir a sua irresponsabilidade patrimonial. Dessa forma, é
possível o prosseguimento da execução em face da companheira. Recurso da
agravante a que se dá provimento.
(TRT da 2ª Região; Processo: 0210300-68.2005.5.02.0038; Data: 16-07-2024; Órgão
Julgador: 13ª Turma - Cadeira 3 - 13ª Turma; Relator(a): PATRICIA THEREZINHA DE
TOLEDO)
Que o final seja
feliz para os credores.
Autor: João Arthur Vieira Souza Silva, é advogado e
sócio do Vieira Rios Advocacia.