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Sócio oculto e ocultação patrimonial: uma ameaça aos credores


Publicada em 29/09/2024 às 09:00h 

O elo que conecta o devedor ao seu patrimônio, frequentemente alocado em nome de pessoas interpostas ou através de estruturas societárias fraudulentas, se coloca como desafio adicional aos credores.

Não raro, o tema está intimamente ligado a figura do sócio oculto, conhecida há tempos pelo ordenamento jurídico brasileiro e que também responde perante terceiros se este optar em participar da administração junto ao sócio ostensivo ou se deixar de lado sua posição oculta.

O artigo 993 do Código de Processo Civil (CPC), em parágrafo único, determina que sem prejuízo do direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, o sócio participante não pode tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier.

Como regra, os sócios não respondem com o seu patrimônio pessoal pelas dívidas da pessoa jurídica. Contudo, em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica, de acordo com o artigo 855-A da CLT e CC/2002, art. 50.

Na mesma linha, recente decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na análise de recurso especial 2.055.325, também aponta que é possível utilizar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), em modalidade expansiva, para alcançar terceiro que exerça função de sócio oculto, como se fosse empresário individual.

Um caso emblemático em São Paulo pode ganhar novos contornos a partir desta consolidada jurisprudência. O processo abarca milhares de credores trabalhistas, cíveis, fiscais e outros que fazem parte do imbróglio judicial envolvendo o grupo chileno de educação infantil Vitamina. Como contexto, o grupo chegou ao Brasil em 2019 com a promessa de revolucionar o setor e, num início agressivo, comprou 37 escolas, a maioria em São Paulo. Porém, quatro anos depois, se retirou silenciosamente, deixando um rastro de dívidas e problemas judiciais.

Com base em informações públicas, surge no processo um sócio oculto que pode trazer alívio a um cenário que envolve, hoje, mais de 1 mil processos nas esferas trabalhista, cível e fiscal e um montante de aproximadamente R$ 100 milhões.

Sob propriedade da esposa brasileira do CEO do grupo foram identificados mais de 20 bens imóveis no município de Viçosa (MG), o que a coloca numa posição capaz de honrar as milionárias dívidas acumuladas.

Na análise do caso específico, ao invés de transcrever o casamento em seu país de origem, Brasil, conforme Lei Brasileira 6.015/73, investigações apontam autodeclarações controversas sobre o estado civil da brasileira, que se autodeclara em documentos públicos, como escrituras e procurações, ora solteira, ora casada com presidente do grupo.

Além das evidências de sócio oculto, há indícios de que os controladores do grupo possam estar utilizando seus familiares no Brasil, especialmente por meio de procurações e transações de doação, como sócios interpostos, associação ilícita de pessoas jurídicas ou físicas ou injuridicidades semelhantes (como constituição de sociedade empresária por fraude, abuso de direito ou seu exercício irregular), com o fim de afastar o direito dos credores.

Vale lembrar que a responsabilidade solidária é objetiva, ou seja, basta a mera caracterização do grupo econômico ou a existência de sócio oculto, com a finalidade de praticar fraudes, para que a responsabilidade pela execução seja estendida.

É o que acontece neste emaranhado: a estrutura empresarial das empresas pertencentes ao Grupo Vitamina no Brasil é regida por uma única sócia-geral, a empresa Vitamina Holding SPA, offshore que tem como sócia majoritária, com 51% das ações, a Sedna dos Spa. A offshore é controlada por intermédio de uma segunda offshore (Asesorias e Inversiones Sedna Ltda), que possui o CEO e sua esposa como sócios.

A jurisprudência do TST (Tribunal Superior do Trabalho) é pacífica no sentido de admitir a inclusão de sócio oculto no polo passivo de reclamações trabalhistas no início da ação, na fase executória da sentença condenatória ou mediante a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, principal devedora, se esta não tiver capacidade financeira e/ou bens suficientes para quitar o débito.

A desconsideração da personalidade jurídica permite a extensão da execução do crédito contra empresa que faça parte do mesmo grupo econômico e/ou de sócio oculto, inclusive em face do representante legal da executada. Neste caso, a responsabilidade será considerada solidária, isto é, qualquer empresa do grupo, sócio oculto ou representante legal poderá responder integralmente pelo débito executado.

Os tribunais de São Paulo têm decidido em linha com os princípios e normas da CLT e CPC no sentido que o sócio oculto responde também pelos débitos trabalhistas, citando-se jurisprudências recentes abaixo:

EXECUÇÃO EM FACE DA COMPANHEIRA DO SÓCIO. UNIÃO ESTÁVEL EM REGIME DE SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS. INDÍCIOS DE OCULTAÇÃO PATRIMONIAL. POSSIBILIDADE. Frustrada a execução em face do devedor principal e havendo indícios de ocultação patrimonial por meio da companheira do sócio-executado, mesmo quando a união se deu no regime de separação total de bens, é possível o redirecionamento da execução para o cônjuge. No caso, verificou-se um padrão consistente de ocultação patrimonial por meio de aquisição de imóveis, investimentos financeiros elevados e criação de novas empresas por parte da companheira, incompatível com a renda declarada, após o início da união estável.

O fato de o devedor ter ocultado seus bens, registrando-os no nome de sua companheira, não tem o condão de garantir a sua irresponsabilidade patrimonial. Dessa forma, é possível o prosseguimento da execução em face da companheira. Recurso da agravante a que se dá provimento.


(TRT da 2ª Região; Processo: 0210300-68.2005.5.02.0038; Data: 16-07-2024; Órgão Julgador: 13ª Turma - Cadeira 3 - 13ª Turma; Relator(a): PATRICIA THEREZINHA DE TOLEDO)

Que o final seja feliz para os credores.

Autor: João Arthur Vieira Souza Silva, é advogado e sócio do Vieira Rios Advocacia.








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