Uma dúvida bastante
frequente na prática trabalhista, principalmente após a propagação do
teletrabalho e das atividades em home office, refere-se ao correto local
para fins de ajuizamento da reclamatória.
Nesse sentido,
questiona-se: há um correto juízo para a propositura da ação? A parte
trabalhadora poderá ajuizar a reclamação trabalhista no local do seu domicílio?
Caso o(a) empregado(a) exerça suas atividades à distância haverá alguma
diferença? Sendo as atividades exercidas em diversos lugares durante o pacto
laboral a reclamatória poderá ser ajuizada em quaisquer deles? E, mais, se o(a)
trabalhador(a) propuser a ação em juízo distinto do local onde situada a
empresa haverá aqui algum mecanismo de defesa?
Considerando que se
trata de um assunto debatido frequentemente na Justiça do Trabalho, e que,
inclusive, sempre enseja polêmicas não somente para os advogados, como também
desperta dúvidas para trabalhadores e empresas, a temática foi indicada por
você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da
revista Consultor Jurídico [1], razão pela
qual agradecemos o contato.
Competência
territorial na Justiça do Trabalho
Do ponto de vista
normativo no Brasil, a CLT aborda em seu artigo 651 [2] as
regras de competência territorial, também conhecidas como normas de competência
de foro, pelo que é possível determinar, a partir da interpretação de referido
dispositivo legal, o local no qual a ação judicial irá tramitar.
Lição de
especialista
A respeito do
mencionado artigo 651 da CLT, oportunos são os ensinamentos do professor e juiz
do Trabalho, doutor Mauro Schiavi [3]:
"Conforme o referido
dispositivo legal, a competência territorial é determinada pelo local da
prestação de serviços do reclamante. A finalidade teleológica da lei ao fixar a
competência pelo local da prestação de serviços consiste em facilitar o acesso
do trabalhador à Justiça, pois no local da prestação de serviços,
presumivelmente, o empregado tem maiores possibilidades de produção das provas,
trazendo suas testemunhas para depor. Além disso, neste local, o empregado pode
comparecer à Justiça sem maiores gastos com locomoção. (.). Se o empregador
promover sua atividade em várias localidades, nos termos do § 3º do art. 651 da
CLT, será assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração
do contrato de competência, cuja escolha é discricionária do empregado, podendo
este optar entre o local da contratação ou da prestação dos serviços".
E em observância à
norma vigente e aos citados ensinamentos doutrinários, infere-se que, por
regra, a definição da competência se dará pelo último local da prestação de
serviços do(a) trabalhador(a).
Acontece que, hoje,
já se discute a possibilidade de, em certos casos, a reclamatória ser
distribuída em lugar distinto, qual seja, correspondente do próprio domicílio
do empregado, com fulcro no princípio da inafastabilidade da jurisdição,
previsto no artigo 5º, XXXV, da Constituição [4].
Tribunal Superior do
Trabalho
À vista disso, o TST
foi provocado a emitir juízo de valor sobre a temática, de sorte que a Corte
Superior já admitiu, excepcionalmente, que se determine a competência
territorial com base no domicílio da parte autora, quando se tratar de empresa
de grande porte e de âmbito nacional, a qual realiza contratações e presta
serviços em diversos locais do país.
Em um caso
envolvendo exatamente as regras para a definição da competência territorial, a
ministra relatora destacou:
"Em regra, a
competência para o ajuizamento de reclamação trabalhista é da localidade em que
o empregado presta os serviços, consoante o disposto no caput do dispositivo
supra transcrito. Os parágrafos dispõem a respeito das exceções a essa regra e,
dentre elas, avulta a do § 3º, que possibilita a apresentação da reclamação na
localidade da celebração do contrato ou na da prestação dos serviços. Ocorre
que a questão da competência territorial deve ser decidida com base na
interpretação dos princípios constitucionais. Nesse sentido, a SBDI-1 do TST
tem flexibilizado a referida regra em se tratando o empregador de empresa de
grande porte e âmbito nacional, que realiza contratação e presta serviços em
localidades distintas do país, o que restou caracterizado no presente caso. A
SBDI-1 vem admitindo, excepcionalmente, a competência territorial do foro do
domicílio do autor em se tratando de empresa de grande porte e âmbito nacional,
que realiza contratação e presta serviços em localidades distintas do país" [5].
Ora, se é verdade
que o Poder Judiciário tem dado interpretações a fim de assegurar o amplo
acesso à Justiça em favor da parte trabalhadora, de igual modo se deve proteger
o empregador, garantindo-lhe a possibilidade do devido processo legal, da ampla
defesa e do contraditório, razão pela não justifica a escolha do domicílio ser
feita em razão da vontade do(a) autor(a).
A propósito,
entendimento em sentido contrário, conduziria à conclusão de que o(a)
empregado(a), ao mudar o local de residência ou domicílio, teria o poder de
alterar unilateralmente a competência territorial para propositura de ação
trabalhista. E neste contexto, em outra situação concreta [6], o TST acolheu recurso de uma empresa, determinado que
o lugar para o processamento da reclamatória fosse no último local de trabalho.
Em seu voto, o
relator ponderou o seguinte:
"Nesse contexto,
verifica-se possível conflito de direitos constitucionalmente assegurados, de
um lado, o direito do amplo acesso à jurisdição e, do outro, o contraditório e
da ampla defesa. Para que o primeiro pudesse prevalecer sobre o segundo, o
acórdão deveria trazer elementos que elucidassem o âmbito de atuação das
reclamadas, se elas prestam ou, não, serviços em diversas localidades do
território nacional, exatamente por isso admitindo-se flexibilização da regra
do art. 651 da CLT. Diante disso, porque ausentes elementos que possam
justificar a mitigação de norma legal expressa, não cabe dizer que um garantia
constitucional justificadamente sobrepõe-se a outra, no caso devendo prevalecer
o direito posto no caput do art. 651, qual seja, o local de prestação de
serviços do empregado".
Portanto, ao que se
verifica, as regras para fixação de competência territorial não são absolutas,
sendo imprescindível que as partes envolvidas no processo laboral tenham, acima
de tudo, os seus direitos e garantidas constitucionais devidamente respeitados
pelo Poder Judiciário Trabalhista.
Conclusão
É sabido que uma vez
ajuizada a reclamação trabalhista, e caso a parte contrária entenda que o local
indicado não esteja correto, por certo que poderá ser oposta, como matéria de
defesa, a exceção de incompetência em razão do lugar, desde que seja
apresentada no prazo de até cinco dias a contar da notificação recebida pela
empresa (artigos 799 [7] e 800 [8] da CLT).
Por todo o exposto,
antes de apreciar o mérito da ação, o(a) jui(íza) irá determinar se o juízo em
si é ou não competente para dirimir o conflito. Aliás, é imperioso destacar
que, nos termos da Súmula 214 do TST [9], a decisão
que acolhe a exceção de incompetência não autoriza a possibilidade de recurso
imediato, salvo se houver a remessa dos autos para Tribunal Regional distinto
daquele a que se vincula o juízo excepcionado (artigo 799, § 2º, da CLT) [10].
[1] Se você
deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática
Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua
sugestão para a próxima semana.
[2] CLT, Art.
651 - A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela
localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao
empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro. §1º
- Quando for parte de dissídio agente ou viajante comercial, a competência será
da Junta da localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o
empregado esteja subordinado e, na falta, será competente a Junta da
localização em que o empregado tenha domicílio ou a localidade mais próxima.
§2º - A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento, estabelecida neste
artigo, estende-se aos dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro,
desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional
dispondo em contrário. §3º - Em se tratando de empregador que promova
realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao
empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da
prestação dos respectivos serviços.
[3] Manual de
Direito Processual do Trabalho - 17 ed. rev. atual. e ampl. - Salvador: Editora
JusPodiuv,2021. Página 317/318
[4] CF, Art. 5º
(.). XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito.
[5] AIRR-0000092-96.2018.5.22.0102,
2ª Turma, Relatora Desembargadora Convocada Margareth Rodrigues Costa, DEJT
08/08/2024.
[6] RR-0000400-80.2022.5.19.0004,
6ª Turma, Relator Desembargador Convocado Jose Pedro de Camargo Rodrigues de
Souza, DEJT 15/03/2024
[7] CLT, Art.
799. Nas causas de jurisdição da Justiça do Trabalho, sòmente podem ser
opostas, com suspensão do feito, as exceções de suspeição ou incompetência.
[8] CLT, Art.
800. Apresentada exceção de incompetência territorial no prazo de cinco
dias a contar da notificação, antes da audiência e em peça que sinalize a
existência desta exceção, seguir-se-á o procedimento estabelecido neste artigo.
[9] DECISÃO
INTERLOCUTÓRIA. IRRECORRIBILIDADE. Na Justiça do Trabalho, nos termos do art.
893, § 1º, da CLT, as decisões interlocutórias não ensejam recurso imediato,
salvo nas hipóteses de decisão: a) de Tribunal Regional do Trabalho contrária à
Súmula ou Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho; b)
suscetível de impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal; c) que acolhe
exceção de incompetência territorial, com a remessa dos autos para Tribunal
Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado, consoante o
disposto no art. 799, § 2º, da CLT.
[10] CLT, art.
799. Nas causas de jurisdição da Justiça do Trabalho, somente podem ser
opostas, com suspensão do feito, as exceções de suspeição ou incompetência. §
1º As demais exceções serão alegadas como matéria de defesa. 2º Das decisões
sobre exceções de suspeição e incompetência, salvo, quanto a estas, se
terminativas do feito, não caberá recurso, podendo, no entanto, as partes
alegá-las novamente no recurso que couber da decisão final.
Autores:
Ricardo Calcini, é professor, advogado, parecerista e
consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação
estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da
pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da
Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e
Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito
Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo
(Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.
Leandro Bocchi de Moraes, é advogado de Calcini
Advogados. Graduação em Direito pela Universidade Braz Cubas. Especialista em
Direito Material e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito.
Especialista em Direito Contratual pela PUC-SP. Especialista em Diretos Humanos
e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha).
Especialista em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC - IUS
Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
(Portugal). Pós-graduando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da
USP (Universidade de São Paulo). Pesquisador do Núcleo de pesquisa e extensão: "O
Trabalho Além do Direito do Trabalho" do Departamento de Direito do
Trabalho e da Seguridade Social da USP, coordenado pelo professor Guilherme
Guimarães Feliciano.