Análises em casos concretos apontam utilização
indevida do benefício fiscal, segundo a Receita Federal
O
tratamento das subvenções para investimento na apuração do lucro real passou
por mudanças significativas com a promulgação da Lei nº 14.789, de 29 de
dezembro de 2023. A Fiscalização da Receita Federal intensificou ações
com vistas a alertar contribuintes sobre a oportunidade de autorregularização,
além de fiscalizar irregularidades identificadas na vigência do art. 30 da Lei
nº 12.973, de 13 de maio de 2014, tratamento tributário anterior. Situações
identificadas em casos concretos são apontadas e podem orientar os
contribuintes sobre o uso correto desse benefício fiscal.
Evolução normativa
A
norma revogada permitia que, sob determinadas condições, a subvenção recebida
não fosse computada na determinação do lucro real e na apuração de base de
cálculo da CSLL.
Com
a sua revogação pela Lei nº 14.789, de 2023, todos os tipos de subvenções
recebidas a partir de 2024 passam a ser tributados pelo IRPJ e pela CSLL. Em
compensação, as pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real que recebem
subvenção da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para
implantar ou expandir empreendimento econômico podem apurar crédito fiscal de
subvenção para investimento, correspondente ao produto das receitas de
subvenção e da alíquota de 25% relativa ao IRPJ, desde que observado o disposto
na legislação.
A
nova legislação introduziu também a possibilidade de transação tributária
especial para os débitos apurados em virtude de exclusões em desacordo com o
art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, sendo concretizada no edital de transação
por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia
jurídica nº 4/2024. Os contribuintes podem aderir à proposta até as 19h do dia
30 de setembro de 2024.
Em
outra inovação, a Lei nº 14.789, de 2023, instituiu ainda a possibilidade de
autorregularização incentivada para esse tipo de infração fiscal, desde que
efetuada antes do lançamento do crédito tributário. O tema foi regulamentado
pela Instrução Normativa nº 2.184, de 2 de abril 2024, que estabeleceu, entre
outros, os períodos de adesão e as medidas necessárias para a autorregularização.
Contornos da norma vigente até
2023
No
que tange à possibilidade de a subvenção recebida deixar de ser computada na
determinação do lucro real e na apuração da base de cálculo da CSLL no regime
anterior, a disciplina estava normatizada pelo art. 30 da Lei nº 12.973, de
2014, ao qual foram incluídos os §§ 4º e 5º pela Lei Complementar nº 160, de
2017, para dar contornos específicos aos incentivos e benefícios fiscais ou
financeiro-fiscais relativos ao ICMS.
A
área de Fiscalização da Receita Federal vem monitorando eventuais
irregularidades praticadas pelos sujeitos passivos e identificando indícios de
exclusões a título de subvenções para investimento efetuadas em desconformidade
com o art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014.
Alertas e outras ações para
estimular a conformidade
Na
busca por estimular o cumprimento voluntário das obrigações tributárias,
centenas de alertas de conformidade foram encaminhados para grandes contribuintes
sujeitos a controle diferenciado em maio de 2023. Além disso, a Receita Federal
do Brasil vem orientando os contribuintes em geral e os profissionais
especializados mediante a participação em painéis voltados ao tema em
Congressos de Direito Tributário e em palestras demandadas por Conselhos
Regionais de Contabilidade.
Ações após alertas
Para
os contribuintes com indícios dessa infração fiscal que não se
autorregularizaram, foram retomadas as atividades de fiscalização, que se
estendem ao momento atual, já havendo novos autos de infração lavrados. Em
recente levantamento, foram identificadas mais de 80 autuações, num montante
global de R$ 8,74 bilhões de crédito tributário, e quase 200 outros
procedimentos estão em andamento.
Lembra-se,
por oportuno, que permanece válida a possibilidade de autorregularização, ainda
que agora sem a aplicação do incentivo legal específico, enquanto não iniciado
procedimento de fiscalização, o que evita incidência de eventual multa de
ofício.
Irregularidades identificadas
Com
o intuito de orientar os contribuintes para a conformidade por meio da
autorregularização fiscal, a Subsecretaria de Fiscalização aponta, a seguir,
alguns dos principais tipos de exclusões indevidas a título de subvenção para
investimentos identificadas e que, na análise dos auditores-fiscais, não
encontram amparo jurídico na legislação fiscal, tampouco na jurisprudência
qualificada do Superior Tribunal de Justiça:
Em relação ao crédito presumido de ICMS:
1. Crédito presumido concedido em substituição aos créditos
efetivos de ICMS sobre as entradas
Somente
o benefício fiscal do
crédito presumido de ICMS é passível de exclusão na determinação do lucro real
a título de subvenção para investimento ou simplesmente como incentivo fiscal.
Nas situações em que parte do crédito presumido de ICMS não representa
benefício fiscal, essa parte não é passível de exclusão na apuração das bases
de cálculo do IRPJ e da CSLL. São exemplos de tais situações:
Por
vezes, o crédito presumido de ICMS é escriturado em decorrência de regimes
especiais previstos em legislação estadual. Trata-se de uma opção que vem em
substituição ao método ordinário de apuração do ICMS a recolher (débitos por
saída menos créditos por entradas). Por essa opção, o contribuinte renuncia ao
seu direito aos créditos básicos pelas entradas. O benefício fiscal resultante,
portanto, não é todo o crédito presumido escriturado, mas tão-somente o valor
que eventualmente supera o crédito básico de ICMS que deixou de ser apropriado
(inclusive porque o crédito básico estornado, ou simplesmente não
escriturado, passa a integrar o custo de aquisição das mercadorias). Nessa
situação, o benefício fiscal representa a diferença entre o valor de ICMS que o
contribuinte recolheria na sistemática da não cumulatividade e o valor que ele
efetivamente recolheu por aderir ao regime especial.
2. Crédito
presumido escriturado em regime simplificado aplicável ao setor de transportes
Na
hipótese do Convênio ICMS nº 106, de 1996, aplicável ao setor de transportes,
exceto aéreo, a pessoa jurídica pode optar por regime simplificado de apuração
do ICMS, desde que o faça para todos os seus estabelecimentos do território
nacional. Por esse regime, aproveita-se um crédito presumido de 20% do valor do
ICMS devido na prestação em detrimento de quaisquer outros créditos, inclusive
os créditos básicos de ICMS pelas entradas. Trata-se de créditos
presumidos ditos "operacionais", concedidos com a finalidade de simplificar o
cumprimento das obrigações relativas à apuração do imposto. Nessa situação, a
totalidade do crédito presumido de ICMS não se configura um benefício fiscal,
mas somente simplifica a sistemática de apuração do imposto estatual.
3 Contribuições
obrigatórias a fundos estaduais
Deve-se considerar
na quantificação do benefício fiscal auferido a eventual existência de
contribuições obrigatórias a fundos instituídos e administrados pelo próprio
ente tributante do ICMS, a partir do Convênio ICMS nº 42, de 2016. Na situação
em que a legislação estadual prevê que a contribuição é obrigatória para
apropriação dos créditos presumidos, ela se reveste da mesma natureza jurídica
do ICMS, configurando uma diminuição do
montante do benefício fiscal concedido. Portanto, essa contribuição ao fundo
deve ser diminuída na apuração do montante a ser excluído para fins de
determinação do lucro real.
4 Em relação as espécies de
desoneração total ou parcial de incidência do ICMS
Em
razão do regime constitucional e legal do ICMS, o contribuinte de direito do
ICMS não é quem suporta jurídica e economicamente o seu ônus, salvo raras
hipóteses legais. Essa característica do ICMS levou o Supremo Tribunal Federal,
ao apreciar a tese jurídica posta em julgamento no Tema nº 69, a concluir que o
ICMS não integra a receita do seu contribuinte, nem ele se agrega ao seu
patrimônio, representando mero ingresso de caixa para o qual coexiste a
obrigação de repasse do mesmo valor ao ente tributante, ou um "simples trânsito
contábil".
As
espécies de desoneração do ICMS, tais como isenção, redução de base de cálculo
ou redução de alíquota, por sua vez, produzem como efeito, em relação ao
montante do ICMS desonerado, a inocorrência do seu ingresso no caixa do
contribuinte ao mesmo tempo que evitam o surgimento da obrigação de repasse ao
Estado ou Distrito Federal. Consequentemente, não há "resultado de
benefício" em decorrência da ausência de mero trânsito do ICMS pelas contas do
vendedor.
Percebe-se,
assim, que - tanto na operação onerada de ICMS quanto na desonerada - não há
qualquer repercussão de natureza fiscal no patrimônio do contribuinte do
ICMS. A compreensão de que o ICMS que incide na operação não se incorpora
ao patrimônio do vendedor necessariamente traz consigo ao entendimento de que
em uma situação de não incidência do ICMS, por isenção ou redução de alíquota
ou de base de cálculo, simplesmente não há qualquer valor de imposto apto a se
incorporar ao patrimônio do vendedor.
Desse
modo, porque inexiste recebimento ou resultado de benefício fiscal por meio das
espécies de desoneração do ICMS para o vendedor da mercadoria, tal situação
também não configura subvenção governamental. Logo, qualquer exclusão do lucro
real a esse título, seja no regime legal anterior, seja no regime atual,
torna-se arbitrária e sem amparo legal.
Efeito idêntico se
verifica nas operações imunes de ICMS, com a situação qualificadora que
imunidade não é benefício fiscal, mas sim a decorrência da limitação
constitucional ao poder de tributar. Ademais, ainda que, por hipótese, se
tratasse de benefício fiscal, a não incidência do ICMS em operações de
exportação ou remessa com o fim específico de importação, por exemplo, sequer
seria um benefício ou incentivo concedido pelos Estados e pelo
Distrito Federal, nos termos da redação do § 4º do art. 30 da Lei nº
12.973, de 2014, que vigorou até o ano-calendário 2023.
5. Em
relação ao diferimento do ICMS para etapa subsequente
Assim
como abordado no item anterior, a operação com diferimento do ICMS também não
causa qualquer repercussão no patrimônio do contribuinte do ICMS. Além disso, o
diferimento do ICMS sequer é tido como benefício fiscal, consistindo em mera
técnica de tributação em que se procede a substituição tributária para trás,
conforme jurisprudência do STF e do STJ (ADI 2056/MS, STF, Rel. Min. Gilmar
Mendes, DJe 17/08/2007; EREsp 1119205 / MG, STJ, S1 - Primeira Seção, Rel. Min.
Benedito Gonçalves, DJe 08/11/2010).
Fonte: Receita Federal do Brasil