Uma das
principais características da previdência social brasileira é o caráter
contributivo do sistema, como determinado pelo artigo 194, VI, da Constituição Federal. A
contribuição patronal está prevista no artigo 195, I, enquanto o parágrafo 11 do artigo 201 indica que
"os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados
ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão
em benefícios, nos casos e na forma da lei".
No plano infraconstitucional, a Lei 8.212/1991, que
organiza a seguridade social no Brasil, disciplina a contribuição do empregador
a partir do artigo 22.
A despeito dos instrumentos normativos sobre o
tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebe diversos recursos que
discutem se algumas verbas deveriam ser consideradas - ou não - no cálculo das
contribuições, como o aviso prévio indenizado, o auxílio-alimentação e o
pagamento das férias. A seleção de julgados a seguir apresenta os entendimentos
mais recentes da corte.
Natureza do
adicional de insalubridade define incidência da contribuição
Em 2024, sob o rito dos recursos repetitivos, a Primeira Seção, especializada em
direito público, fixou importantes teses acerca da responsabilidade dos
empregadores em matéria de contribuição previdenciária. No julgamento do Tema 1.252, o colegiado definiu que incide a contribuição previdenciária patronal sobre o
adicional de insalubridade, em razão da sua natureza remuneratória.
O relator, ministro Herman Benjamin, registrou que
o STJ consolidou jurisprudência no sentido de que não sofrem a incidência de
contribuição previdenciária "as importâncias pagas a título de
indenização, que não correspondam a serviços prestados nem a tempo à disposição
do empregador".
O adicional de insalubridade não consta no rol das
verbas que não integram o conceito de salário de contribuição, listadas no
parágrafo 9º do artigo 28 da Lei 8.212/1991, uma vez que não é importância
recebida a título de ganhos eventuais, mas, sim, de forma habitual. Desse modo,
em se tratando de verba de natureza salarial, é legítima a incidência de
contribuição previdenciária sobre o adicional de insalubridade.
REsp 2.050.498
Ministro Herman Benjamin
O ministro
enfatizou que, se a verba trabalhista tiver natureza remuneratória,
destinando-se a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, ela deverá
integrar a base de cálculo da contribuição.
Incidência
sobre 13º proporcional ao aviso prévio indenizado
Ao julgar o Tema 1.170, a Primeira Seção estipulou que
a contribuição previdenciária patronal também incide sobre os valores pagos ao
trabalhador a título de 13º salário proporcional ao período do aviso prévio
indenizado.
No recurso representativo da controvérsia (REsp 1.974.197), o ministro Paulo Sérgio
Domingues, relator, analisou o caso de uma empresa de Manaus que não queria
fazer o recolhimento sobre a verba. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região
(TRF1) considerou indevida a incidência da contribuição previdenciária, mas
o acórdão foi reformado pelo STJ
com base em sucessivos precedentes que levaram à fixação da tese.
O ministro afirmou que, à luz da interpretação
dos artigos 22, inciso I e parágrafo 2º,
e 28, parágrafo 9º, da Lei 8.212/91,
"incide a contribuição previdenciária patronal sobre os valores pagos ao
trabalhador a título de 13º proporcional ao aviso prévio indenizado, incidência
essa que decorre da natureza remuneratória da verba em apreço".
Contribuição
patronal leva em conta o salário bruto
No Tema 1.174, o colegiado de direito público
estabeleceu que os valores correspondentes aos descontos no salário
(participação no custeio de vale-transporte, auxílio-alimentação e assistência
à saúde, bem como Imposto de Renda Retido na Fonte e contribuição
previdenciária do empregado) integram a remuneração do trabalhador e, dessa forma,
compõem a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal e das contribuições
destinadas ao Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) e a terceiros.
Isso significa que o percentual da contribuição
previdenciária do empregador deve ser aplicado sobre o valor do salário bruto,
e não apenas do salário líquido.
O relator do repetitivo,
ministro Herman Benjamin, argumentou que esses valores descontados na folha de
pagamento do trabalhador apenas operacionalizam técnica de antecipação de
arrecadação, e em nada influenciam no conceito de salário.
"Basta fazer operação mental hipotética,
afastando a realização dos descontos na folha de pagamento, para se verificar
que o salário do trabalhador permaneceria o mesmo, e é em relação a ele (valor
bruto da remuneração, em regra) que tais contribuintes iriam calcular
exatamente a mesma quantia a ser por eles pessoalmente pagas (e não mediante
retenção em folha) em momento ulterior", observou o ministro no REsp 2.005.029.
Contribuição
sobre auxílio-alimentação pago em dinheiro
Ainda sob o rito dos repetitivos, a Primeira Seção julgou, em abril de
2023, o Tema 1.164, no qual foi definido que incide a contribuição previdenciária a cargo do
empregador sobre o auxílio-alimentação pago em pecúnia.
O
relator, ministro Gurgel de Faria, lembrou que o Supremo Tribunal Federal
(STF), ao examinar o RE 565.160, julgado sob o rito da repercussão geral (Tema 20), fixou a tese de que "a
contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do
empregado, a qualquer título, quer anteriores, quer posteriores à Emenda Constitucional 20/1998
O auxílio-alimentação pago habitualmente não tem
caráter remuneratório, exceto quando houver o pagamento em dinheiro, hipótese
em que deve ser reconhecida sua natureza salarial.
REsp 1.995.437
Ministro Gurgel de Faria
A partir desse
julgamento do STF, o ministro avaliou que é possível extrair dois
requisitos para que determinada verba componha a base de cálculo da
contribuição patronal: habitualidade e caráter salarial. No caso do
auxílio-alimentação, ele lembrou que o benefício é concedido para custear
despesas com alimentação, "necessidade essa que deve ser suprida
diariamente, sendo, portanto, inerente à sua natureza a habitualidade".
Adicional de
quebra de caixa entra no cálculo da contribuição
Em 2017, a seção de direito público decidiu, por
maioria de votos, que incide contribuição previdenciária sobre o adicional
de quebra de caixa, verba destinada a cobrir os riscos assumidos por
empregados que lidam com manuseio constante de dinheiro, como caixas de bancos
e de supermercados. O entendimento se deu em julgamento de embargos de divergência, após decisões em sentidos
opostos da Primeira Turma e da Segunda Turma do STJ.
Autor do voto que prevaleceu no colegiado, o
ministro Og Fernandes afirmou que, por ser um pagamento habitual, feito em
retribuição ao serviço prestado ao empregador, o adicional de quebra de caixa
se enquadra no conceito de remuneração.
O fato de o exercício da atividade submeter o
empregado a determinado risco à sua remuneração não desnatura o caráter
remuneratório da verba "quebra de caixa". Fosse assim, não se
admitiria a incidência da contribuição previdenciária patronal sobre os
adicionais de insalubridade e periculosidade, uma vez que essas importâncias
são decorrentes justamente da submissão do trabalhador a condições que lhe
prejudicam a saúde ou a integridade física ou mental.
EREsp 1.467.095
Ministro Og Fernandes
Segundo o
magistrado, o pagamento a título de quebra de caixa "não tem finalidade
indenizatória tendente a recompor o patrimônio do empregado em decorrência de
uma lesão, pois o desconto autorizado na remuneração do empregado em face da
diferença de caixa não se revela ilícito a exigir uma reparação de dano".
Incidência de
contribuição sobre hora repouso alimentação
Em outro julgamento de embargos de divergência (EREsp 1.619.117), a Primeira Seção acolheu
o pedido da Fazenda Nacional para reconhecer que, nas situações anteriores à
vigência da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), incide contribuição previdenciária patronal sobre a
hora repouso alimentação (HRA). A verba é paga ao trabalhador por
ficar disponível no local de trabalho, ou nas suas proximidades, durante o
intervalo destinado a repouso e alimentação.
Nesse caso, o colegiado entendeu, também por
maioria de votos, que a verba tem caráter remuneratório, o que faz incidir a contribuição
patronal. Nessa hipótese, o relator dos embargos, ministro Herman Benjamin,
explicou que o trabalhador recebe salário normal pelas oito horas regulares e
HRA pela nona hora em que ficou à disposição da empresa.
Segundo o relator, não há supressão da hora de
descanso, hipótese em que o empregado ficaria oito horas contínuas à disposição
da empresa e receberia por nove horas, com uma indenização pela hora de
descanso suprimida.
"O empregado fica efetivamente nove horas
contínuas trabalhando ou à disposição da empresa e recebe exatamente por esse
período, embora uma dessas horas seja paga em dobro, a título de HRA. Trata-se
de situação análoga à hora extra: remuneração pelo tempo efetivamente
trabalhado ou à disposição do empregador e sujeita à contribuição
previdenciária", refletiu o ministro.
Natureza
remuneratória das férias está prevista na CLT
No julgamento do REsp 1.240.038, a Segunda Turma decidiu que
incide contribuição previdenciária a cargo da empresa pelo pagamento de valores
decorridos de férias gozadas. Isso porque elas integram as verbas de natureza
remuneratória e salarial, como previsto no artigo 148 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
e, portanto, compõem o salário de contribuição (base de cálculo
da contribuição previdenciária de todos os tipos de segurado).
Citando fundamentos adotados pela corte em relação
à contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade e outras verbas, o
ministro Og Fernandes, relator, observou que o fato de não haver prestação de
trabalho no período não permite a conclusão de que o valor recebido tenha
natureza indenizatória ou compensatória.
STF admitiu
contribuição sobre o terço constitucional de férias
Em fevereiro de 2014, os ministros da Primeira
Seção concluíram o julgamento do REsp 1.230.957, do qual haviam sido
extraídos quatro temas repetitivos.
No Tema 739, o colegiado estabeleceu que o
salário-maternidade possui natureza salarial e integra, consequentemente, a
base de cálculo da contribuição previdenciária. Do mesmo modo, no Tema 740, o colegiado apontou que o
salário-paternidade deve ser tributado, por se tratar de licença remunerada
prevista constitucionalmente, não se incluindo no rol dos benefícios
previdenciários.
Também foi decidido, no Tema 478, que não incide a contribuição
patronal sobre os valores pagos a título de aviso prévio indenizado, por não se
tratar de verba salarial.
Quanto ao adicional de um terço sobre as férias,
objeto do Tema 479, a seção entendeu que não deveria
incidir a contribuição. No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu
que a tributação sobre o terço constitucional de férias é legítima (Tema 985 da repercussão geral).
Como a decisão no Tema 985 ainda não transitou em
julgado, o processo no STJ - no qual havia sido interposto recurso extraordinário - continua
sobrestado.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 2050498REsp 1974197REsp 2005029REsp 1995437REsp 1928591EREsp 1467095EREsp 1619117REsp 1240038REsp 1230957
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Saiba o significado de termos publicados nesta notícia:
1.
1º termo - Repetitivos: Recurso repetitivo é um recurso escolhido para ser julgado como
representativo de uma questão jurídica presente em muitos outros processos,
para que a tese fixada pelo tribunal seja aplicada na solução dos casos
semelhantes em todo o país.
2.
2º termo - Acórdão: Acórdão é a decisão do órgão colegiado de um tribunal. No caso do
STJ, pode ser das turmas, seções ou da Corte Especial.
3.
3º termo - Repercussão geral: Para ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o recurso
extraordinário (RE) precisa discutir questões que, para além dos interesses da
parte, tenham importante repercussão econômica, política, social ou jurídica -
a chamada repercussão geral.
4.
4º termo - Embargos de divergência: Embargos de divergência são um recurso contra decisão de órgão
fracionário que divergiu do entendimento de outro órgão fracionário do mesmo
tribunal. No STJ, as siglas são EREsp (embargos de divergência em recurso
especial) e EAREsp (embargos de divergência em agravo em recurso especial).
5.
5º termo - Recurso extraordinário: O recurso extraordinário (sigla RE) é dirigido ao Supremo Tribunal
Federal para discutir possível violação da Constituição Federal em decisões de
outros tribunais.
Fim do significado dos termos apresentados.
Fonte:
STJ