Uma
decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) - veja a notícia ao final - que
condenou uma empresa a indenizar uma empregada transgênero por discriminação e
assédio, pode levantar uma grande tensão entre os direitos individuais em
detrimento de direitos coletivos.
Transgêneros
são pessoas que não se identificam com o gênero a qual foram designadas,
baseado em seu sexo biológico.
Contudo,
há também a necessidade de equilibrar direitos individuais e coletivos no
âmbito laboral, de forma a garantir a dignidade das pessoas transgêneros, bem
como o direito à privacidade das empregadas cisgêneras (pessoas que se
identificam com o gênero que lhes foi atribuído no nascimento).
Assim
como ocorre em relação a obrigação por parte da empresa em implementar
políticas que visam a isonomia nos mais diversos aspectos laborais entre o sexo
masculino e feminino, também devem ocorrer em relação à inclusão da diversidade
de gêneros, adotando não apenas medidas formais, mas que envolvam a prática
cotidiana.
Garantir
a utilização do nome social de uma pessoa transgênero, conforme previsto no
Decreto Federal nº 8.727/2016, que regulamenta o uso do nome social no serviço
público federal, pode ser uma das formas de implementar esta isonomia no setor
privado.
Disponibilizar
instalações sanitárias e de troca de uniforme alternativas, para acomodar tanto
as pessoas transgêneros quanto as empregadas cisgêneras, respeitando a
liberdade em compartilhar o ambiente e privacidade de todas, também pode ser
uma outra forma de isonomia.
É
importante que a empresa comprovar este tipo de procedimento ou de ação,
educando seus empregados sobre as diferenças entre identidade de gênero e
orientação sexual. Além de palestras e campanhas, é recomendável que haja um
plano mais abrangente que inclua políticas claras de repreensão para todo e
qualquer tipo de discriminação, aplicação de medidas disciplinares, treinamentos
presenciais ou virtuais que envolva estes temas.
A empresa
também pode revisar e adequar seus regulamentos internos, de modo a se adequar
à legislação trabalhista e aos princípios constitucionais. O próprio
art. 2º da CLT permite à empresa, através do seu poder diretivo,
estabelecer regras às quais os seus empregados estão sujeitos.
A
privacidade e a segurança das empregadas cisgêneras, que podem se sentir
vulneráveis em espaços compartilhados com pessoas transgêneras, que não
realizaram transição completa ou definitiva, podem ser garantidas através de um
regulamento interno, o qual deve ser apresentado a todos os empregados que
iniciar suas atividades na empresa.
Os
conflitos entre o sexo masculino e feminino dentro de uma empresa sempre
existiram e continuarão existindo. Isto não será diferente em relação as
pessoas transgêneros, pois faz parte da convivência humana, já que os conflitos
se apresentam até mesmo entre pessoas do mesmo sexo.
O RH da
empresa deve ser treinado e capacitado para atuar como mediador em eventuais
conflitos entre empregadas transgêneros e cisgêneras. Uma solução é abrir
canais de comunicação para compreender os receios de cada parte e buscar um
consenso, sem que nenhuma das partes seja prejudicada. Isso é crucial para
evitar a percepção de favorecimento de uma minoria em detrimento da maioria.
Embora a
Constituição Federal assegure o direito à dignidade da pessoa humana (art. 1º,
III e art. 5º), é necessário que a coletividade também seja respeitada. A
imposição de direitos individuais que conflitam diretamente com os direitos de
um grupo majoritário por parte do judiciário, pode gerar ressentimentos e
litígios futuros. Assim, uma decisão que privilegie uma minoria sem considerar
o contexto coletivo, pode infringir o próprio princípio de igualdade presente
no art. 5º, caput, da Constituição Federal.
No caso
da decisão mencionada, o TST enfatizou a necessidade de criação de um ambiente
inclusivo. Contudo, a justiça trabalhista não pode exigir que as empresas
desconsiderem situações reais e sensíveis das empregadas cisgêneras, como a
privacidade em vestiários e banheiros, onde a exposição corporal é inevitável.
A empresa
deve buscar soluções equilibradas que não apenas previnam indenizações, como
também promovam um ambiente de trabalho harmônico. Entretanto, é preciso
cautela ao lidar com decisões judiciais que podem interferir no poder diretivo
da empresa e nos direitos da coletividade feminina, exigindo medidas que nem
sempre consideram a realidade do local de trabalho.
Veja a
íntegra da notícia sobre o julgamento do TST no caso de indenização:
Mulher
trans desrespeitada em frigorífico será indenizada - ela era proibida de usar o
vestiário feminino e foi alvo de piadas e humilhação no vestiário masculino
Resumo:
Uma empregada transgênero será indenizada
por sofrer discriminação e assédio no trabalho, incluindo piadas, humilhações e
proibição de usar o vestiário feminino. A empresa alegou ter políticas de
inclusão, mas a Justiça do Trabalho considerou que a distribuição de cartilhas
e palestras não são suficientes para afastar a discriminação. A 6ª Turma
do TST manteve a condenação, destacando que a identidade de gênero é um direito
fundamental e que a empresa falhou em criar um ambiente de trabalho
inclusivo.
A Sexta
Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou examinar o recurso de um
frigorífico de Araguari (MG), contra a condenação ao pagamento de indenização a
uma faqueira desrespeitada no trabalho por ser mulher trans. Conforme a
decisão, a empresa falhou em criar um ambiente de trabalho inclusivo e
respeitoso quanto à identidade de gênero de seus empregados.
Trabalhadora sofria humilhações no
vestiário masculino
A
faqueira foi contratada em 2014 e dispensada em 2019. Na ação, ela afirmou que,
nos cinco anos de contrato, a empresa se negou a tratá-la por seu nome social e
a proibia de usar o banheiro e vestiário feminino. Também disse que sofria
violência psicológica diária dos colegas e tratamento discriminatório do
encarregado, que lhe delegava trabalhos que não eram de sua função e exigiam
força física, sob a alegação de que ela "era homem".
De acordo
com a trabalhadora, o argumento do frigorífico para proibi-la de usar o
vestiário feminino era que as empregadas "não gostavam da presença de
'travestis' no banheiro de mulher e que a empresa não tinha o que fazer nesse
caso". Como nem sempre era possível se trocar dentro de um box, em razão do
movimento intenso, o momento da troca do uniforme "se tornava humilhante", pois
"sempre era alvo de piadas" e de ofensas a seu corpo, sua sexualidade e seu
gênero.
Frigorífico disse que distribuía
cartilhas e fazia palestras
Em sua
defesa, o frigorífico alegou que tinha "nove homossexuais" no setor de abate, o
que comprovaria que não havia discriminação. Também argumentou que os
empregados não podiam ser obrigados a chamar a trabalhadora pelo nome social e
que adotava ações para reprimir e prevenir agressões à identidade de gênero e à
sexualidade dos empregados, promovendo palestras e distribuindo cartilhas com
seu código de ética.
Medidas não foram suficientes
A 2ª Vara
do Trabalho de Araguari (MG) e o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região
(MG) condenaram o frigorífico a pagar indenização de R$ 35 mil. Para o TRT, as
ações relatadas pela empresa não caracterizam efetiva implementação de políticas
de inclusão. Para isso, seriam necessárias condutas concretas, como o respeito
ao nome social, a aplicação de penalidades a quem praticar discriminação e até
a alteração de instalações sanitárias a fim de evitar constrangimentos.
Empresa confundiu conceitos
A
ministra Kátia Arruda, relatora do recurso da empresa, destacou que a
identidade de gênero diz respeito à autopercepção de cada pessoa. "A
trabalhadora teve questionada sua própria identidade pessoal, em decorrência da
falha da empresa em criar um ambiente de trabalho inclusivo e respeitoso quanto
à identidade de gênero de seus empregados", afirmou, lembrando que ela era
tratada a partir de estereótipos masculinos, como o de que seria mais adequada
para tarefas que exigissem a força física.
Para a
ministra, o próprio argumento da empresa de que não haveria preconceito e
discriminação porque haveria "homossexuais no setor de abate" revela
o equívoco conceitual entre identidade de gênero e orientação sexual,
demonstrando a falta de compreensão sobre a matéria. "A distribuição de
cartilhas e a promoção de palestras não foram suficientes para esclarecer a
própria empregadora sobre os contornos, a profundidade e a relevância da
inclusão da diversidade no contexto do respeito aos direitos humanos",
assinalou.
Essa
impressão é acentuada com a alegação da empresa de que não haveria a obrigação
de chamar os empregados por seus nomes sociais, que, "na realidade compõem uma
das dimensões da personalidade". Essa postura caracteriza, segundo a ministra,
a falta de respeito à identidade de gênero da empregada, "fragilizando ainda
mais a tese de que haveria real grau de esforço educativo no âmbito da
empresa".
A decisão
foi unânime.
Autor: Sérgio Ferreira Pantaleão