Nas últimas semanas, foram trazidas aqui
algumas relevantes novidades práticas tanto quanto à admissibilidade do recurso
de revista [1],
como em relação à sistemática de precedentes nos Tribunais Regionais do
Trabalho (TRTs) e no Tribunal Superior do Trabalho (TST) [2], de sorte que, para além dessas
atualizações legislativas nos tribunais, recentemente a Subseção I
Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho
(SBDI-1) acolheu, no dia 5 de dezembro de 2024, dois novos incidentes de
recursos de revistas repetitivos (IRRs) que irão estabelecer, em 2025, novas
diretrizes sobre temas de enorme impacto nas relações trabalhistas [3].
Dito isso, as
temáticas afetadas se referem à terceirização e à pejotização, de modo que,
considerando as inúmeras polêmicas e os milhares de processos envolvendo as
matérias - que afetam empregados, empresas e toda a sociedade -, o assunto foi
indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana e último de 2024, na
coluna Prática Trabalhista,
nesta ConJur [4], razão pela qual agradecemos o
contato.
Pejotização e
terceirização
De início, impende
destacar que, ao longo dos anos, o assunto vem sendo debatido nesta coluna,
inclusive com ponderações sobre as diferenças existentes entre os institutos da
pejotização e a terceirização[5], comentários sobre as decisões proferidas pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) [6], bem como algumas reflexões sobre essas decisões
proferidas [7].
Neste contexto, a
SBDI-1 do TST, no processo E-ED-RR-1848300-31.2003.5.09.0011 [8],
travará discussão no sentido de ser possível (ou não) superar a tese fixada
pelo STF acerca da licitude de todas as formas de terceirização quando restar
demonstrada a existência de fraude. Já no processo
E-RRAg-373-67.2017.5.17.0121 [9], a corte trabalhista debaterá
alteração da modalidade de prestação de serviços, ou seja, no caso de um(a)
trabalhador(a) migrar para uma prestação de serviços, por meio da pejotização,
ainda que exerça as mesmas atividades do período celetista.
À vista disso, uma
vez fixadas as futuras teses vinculantes, haverá por certo a uniformização da
jurisprudência sobre os referidos temas, e que serão de observância obrigatória
pelos demais órgãos da Justiça do Trabalho.
Logo, a partir da
análise de tais assuntos pela Justiça Laboral, em confronto com as decisões do
Pretório Excelso proferidas nos últimos tempos, o maior desafio será encontrar
um denominador que valorize a terceirização nos casos em que a prestação de
serviços se mostrar lícita, sem que haja a efetiva precarização do trabalho, o
retrocesso social e, por óbvio, as fraudes.
Lição de
especialista
A respeito das
espécies de precarização do trabalho, oportunos são os ensinamentos de Carla
Vieira de Souza e Rodrigo Goldschmid [10]:
"A terceirização
enseja piores condições aos trabalhadores terceirizados, pois eles realizam
mais horas extras, recebem menores salários e com menor qualificação, há
ocorrência maior de acidentes de trabalho e representam ainda um índice maior
de trabalhadores em condições análogas à de escravo. Além do mais, a sindicalização
dos terceirizados é mais frágil, pois não há uma identidade dos trabalhadores,
dificultando a negociação coletiva por parte do sindicato (ALFARO, 2016, p.
137).(.). Ainda, segundo Druck (2001), essa forma de trabalho é uma das
principais precarizações do direito do trabalho.
Outra espécie
recorrente é a "pejotização", quando a pessoa jurídica é utilizada para
mascarar uma verdadeira relação de emprego, com objetivo de transparecer de
maneira formal uma situação jurídica civil (OLIVEIRA, 2013). Esse instituto
precariza a relação de trabalho, imuniza o empregador de efetuar o pagamento de
diversos encargos sociais, subtraindo do empregado seus direitos trabalhistas
básicos, como férias e décimo terceiro."
Dados
estatísticos
De acordo com o
Banco Central, o número de contas para pessoa jurídica saiu de 3,4 milhões em
2018 para 11,6 milhões em dezembro de 2023 [11]. Aliás, nos últimos dez anos no
Brasil, o número de microempreendedores individuais triplicou, de modo que em
2014 eram 4,6 milhões, ao passo que em 2023 este número aumentou para 15,7
milhões [12].
A propósito, cabe
ressaltar que um dos pedidos mais recorrentes nos tribunais trabalhistas até
outubro de 2024 foi justamente o pleito de reconhecimento da relação de emprego
com 56.388 processos, sendo válido lembrar que, do ponto de vista normativo no
Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dispõe em seu artigo 9º que "serão nulos de pleno direito os atos
praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos
preceitos contidos na presente Consolidação".
Nesse diapasão, como
a SBDI-1 do TST é um órgão de uniformização da jurisprudência, os novos
incidentes de recursos de revistas repetitivos (IRRs) que se encontram
aguardando distribuição têm o objetivo de analisar questões de terceirização e
pejotização que envolvam situações fraudulentas.
Bem por isso, se é
verdade que tais julgamentos poderão propiciar uma maior segurança aos
trabalhadores assegurando-lhes efetividade aos direitos humanos fundamentais;
de igual modo, a partir do momento em que as teses vierem a ser fixadas, as
empresas também terão maior garantia ao optarem por estes novos modelos de
contratação para impulsionar os seus negócios.
Reflexões
finais
Decerto que 2025
será repleto de novidades, principalmente nas questões envolvendo o direito do
trabalho, de sorte que deixamos aqui, para você leitor(a), algumas reflexões:
as novas formas de contratação via terceirização que vêm sendo chanceladas pelo
STF representarão o futuro das relações de trabalho? A pejotização busca, de
fato, garantir uma maior liberdade e autonomia aos trabalhadores, ou, ao revés,
é apenas uma forma de camuflar verdadeira e típica relação de emprego? Quais
serão os impactos financeiros na folha de pagamento das empresas, no sistema de
benefícios (v.g., vale refeição, plano de saúde, participação nos lucros e
resultados) e nos regimes de arrecadação tributária (contribuições
previdenciárias ao INSS e do imposto de renda à Receita Federal), além dos
depósitos do FGTS para a CEF?
Enfim, essas são
apenas algumas das indagações que serão debatidas e, quiçá, respondidas em
2025, razão pela qual contamos com todos vocês, leitores de nossa coluna aqui nesta ConJur, para continuarem a contribuir com temas de grande
importância e relevância para o direito do trabalho, visando sempre uma melhor
reflexão e compreensão desta ciência jurídica.
[1] Disponível em https://www.conjur.com.br/2024-dez-05/novidades-na-admissibilidade-do-recurso-de-revista/.
Acesso em 09.12.2024.
[2] Disponível em https://www.conjur.com.br/2024-dez-12/novidades-para-2025-na-sistematica-de-precedentes-nos-trts-e-tst/.
Acesso em 16.12.2024.
[3] Disponível em https://www.tst.jus.br/en/-/tst-julgar%C3%A1-recursos-repetitivos-sobre-pejotiza%C3%A7%C3%A3o-e-terceiriza%C3%A7%C3%A3o.
Acesso em 16.12.2024
[4] Se você deseja que algum tema em especial seja
objeto de análise pela Coluna Prática
Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os
colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.
[5] Disponível em https://www.conjur.com.br/2022-jul-07/pratica-trabalhista-pejotizacao-profissionais-liberais-terceirizacao-ou-fraude/.
Acesso em 16.12.2024.
[6] Disponível em https://www.conjur.com.br/2022-jul-07/pratica-trabalhista-pejotizacao-profissionais-liberais-terceirizacao-ou-fraude/.
Acesso em 16.12.2024.
[7] Disponível em https://www.conjur.com.br/2024-mar-28/stf-e-a-pejotizacao-qual-sera-o-futuro-do-direito-do-trabalho/.
Acesso em 16.12.2024.
[8]Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=1848300&digitoTst=31&anoTst=2003&orgaoTst=5&tribunalTst=09&varaTst=0011&submit=Consultar.
Acesso em 16.12.2024.
[9]Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=373&digitoTst=67&anoTst=2017&orgaoTst=5&tribunalTst=17&varaTst=0121&submit=Consultar.
Acesso em 16.12.2024.
[10]Disponível em https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/214837/2017_souza_carla_precarizacao_relacoes.pdf?sequence=1&isAllowed=y.
Acesso em 16.12.2024, página 7.
[11] Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/mpme/2024/09/cresce-numero-de-contas-pj-mas-quase-metade-dos-empreendedores-ainda-nao-tem-uma.shtml#:~:text=Mesmo%20com%20esse%20aumento%2C%20o,tamb%C3%A9m%20s%C3%A3o%20conhecidas%20as%20PJs.
Acesso em 16.12.2024.
[12] Disponível em https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2024/10/19/numero-de-microempreendedores-individuais-brasileiros-mais-que-triplica-nos-ultimos-10-anos.ghtml.
Acesso em 16.12.2024.
Autores:
Leandro Bocchi de Moraes, é
advogado de Calcini Advogados. Graduação em Direito pela Universidade Braz
Cubas. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Escola
Paulista de Direito. Especialista em Direito Contratual pela PUC-SP.
Especialista em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La
Mancha (Espanha). Especialista em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos
Humanos (IGC - IUS Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra (Portugal). Pós-graduando em Direito do Trabalho pela
Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Pesquisador do Núcleo
de pesquisa e extensão: "O Trabalho Além do Direito do Trabalho" do
Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da USP, coordenado
pelo professor Guilherme Guimarães Feliciano.
Ricardo Calcini, é
professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de
Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs,
TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper,
coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da
revista Síntese Trabalhista e
Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito
Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo
(Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.