A reforma tributária (Emenda Constitucional
nº 132, de 2023) trouxe mudanças no que diz respeito sobretudo ao consumo. A
criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), da Contribuição sobre Bens e
Serviços (CBS) e do Imposto Seletivo (IS) marcam uma nova era no sistema
tributário pátrio. Isso porque o IBS passa a ocupar o lugar do imposto
municipal sobre serviços (ISS) e do imposto estadual sobre mercadorias e
serviços (ICMS), e o PIS/Cofins dá lugar a CBS. A razão de ser do IS, por sua
vez, é incidir sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao
meio ambiente, para desestimulá-los.
A reforma tributária
permitiu que o contribuinte vislumbre os contornos iniciais do novo sistema
tributário para entender qual será o período de transição, que se estenderá até
2033, e ter uma visão inicial de quando cada tributo novo passará a incidir e
quando os tributos antigos serão extintos. Porém, somente com a regulamentação
(que ainda está pendente de aprovação no Congresso) será possível vislumbrar
se, e quais, conflitos entre o Fisco e o contribuinte poderão diminuir ou, em
uma perspectiva pessimista, surgir.
No campo da energia
elétrica, a extinção do PIS/Cofins e do ICMS é a principal das profundas
transformações às quais o setor será submetido. Afinal, ao invés destes
tributos, haverá incidência da IBS e da CBS, cujas regulamentações não foram
aprovadas até o momento; via de consequência, ainda não é possível vislumbrar
claramente quais serão os ônus e bônus, na prática, para o contribuinte.
Essa situação é
especialmente alarmante ao recordar da quantidade de controvérsias que têm sido
objeto de discussão nos tribunais superiores nos últimos anos envolvendo a
tributação de energia elétrica. Por exemplo, foi apenas em março deste ano que
o Superior Tribunal de Justiça decidiu definitivamente a respeito da inclusão
da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (Tusd) e a Tarifa de Uso do Sistema
de Transmissão (Tust) na base de cálculo do ICMS, no Tema de Repercussão Geral
nº 986. Existem diversas outras controvérsias sobre a tributação no setor da
energia elétrica que foram apenas recentemente solucionadas.
Benefícios
fiscais
Outro ponto
relevante no cenário da reforma é a continuidade dos benefícios fiscais dos
tributos que serão extintos até 2033. Isto é, ainda que eventuais isenções de
ICMS e redução de alíquotas de PIS e Cofins sejam mantidas durante o período de
transição, é possível que haja, futuramente, incidência de IBS e CBS sobre
operações que, no momento, gozam de benesses. Esta conjuntura apresenta um
risco aos empreendimentos no setor energético, sobretudo de microgeração e
minigeração distribuída, que não pode ser ignorado, em razão de seu
significativo impacto adverso [1].
Assim, o complexo
percurso do ICMS na energia elétrica [2],
bem como do PIS e da Cofins, chama atenção em meio às mudanças trazidas pela
reforma tributária. Isso porque surge a questão: se com o sistema atual foi tão
difícil obter pacificação sobre os mais diversos temas tributários, exigindo a
constante judicialização, será necessário reiniciar a análise de todas estas
controvérsias?
Os novos tributos
(CBS e IBS), ao menos, se adiantam no que diz respeito à não cumulatividade. O
artigo 149-B, IV, da Constituição, garante que estes dois tributos observarão
as regras de não cumulatividade e de creditamento. Além disso, há previsão de
que a CBS e o IBS não integram as suas próprias bases de cálculo
(respectivamente, artigo 195, § 17, e artigo 156-A, IX, ambos da Constituição).
Porém, ressalta-se, sem as normas de regulamentação (que deverão ser aprovadas
por maioria absoluta, por se tratar de Projeto de Lei Complementar), não é
possível saber, de forma pormenorizada, como será a arrecadação.
Tributação
especial
Especificamente no
que tange ao negócio de arrendamento de usinas, já vem sendo analisadas
potenciais controvérsias relativas à tributação. Em síntese, o arrendamento
ocorre quando uma parte possui a usina e a cede para que outra parte possa
usufruir da energia gerada. Neste diapasão, há análise de que este modelo pode
ser enquadrado nas operações com bens imóveis, e, portanto, estar sujeito a uma
tributação especial.
Por outro lado, o
impacto negativo com a reforma tributária poderá ser muito maior, uma vez que,
a partir de 2029, passará a incidir o IBS sobre o arrendamento e, atualmente,
não incide nem ISS nem ICMS [3], o que
poderá ensejar em uma majoração na carga tributária.
Em conclusão, as
incertezas relacionadas à regulamentação dos novos tributos e ao período após a
transição geram desafios significativos, inclusive no setor de energia
elétrica. Nesse contexto, a única certeza é a necessidade de constante
mapeamento e monitoramento tributário contínuo a fim de que as empresas do
setor possam minimizar os impactos das mudanças futuras e aproveitem as
oportunidades dentro do novo cenário fiscal vindouro.
[1] BUENO,
Matheus; PARANHOS, Gabriela. Reforma
Tributária e energia elétrica. Portal da Reforma Tributária, 29
nov. 2024. Disponível em: https://reformatributaria.com.br/reforma-tributaria-e-energia-eletrica/.
Acesso em: 11 dez. 2024.
[2] GOMES, Matheus
Lavocat de Queiroz. Luz
sobre tributação: o complexo percurso do ICMS na energia elétrica. JOTA,
7 maio 2024. Disponível em: https://www.jota.info/artigos/luz-sobre-tributacao-o-complexo-percurso-do-icms-na-energia-eletrica.
Acesso em: 11 dez. 2024.
[3] TOBIAS,
Eduardo. Impactos da
Reforma Tributária na competitividade das eólicas. Brasil Energia,
1 out. 2024. Disponível em: https://brasilenergia.com.br/energia/impactos-da-reforma-tributaria-na-competitividade-das-eolicas.
Acesso em: 11 dez. 2024.
Autora: Vittoria
Anastasia, é advogada na equipe
de Direito Público e Contencioso Tributário do escritório Tavernard Advogados,
pós-graduanda em Direito Tributário pela PUC-Minas, pós-graduanda em Direito
Internacional pelo CEDIN e bacharel em Direito, na modalidade Integral, na Escola
Superior Dom Helder Câmara.