A regulamentação da
reforma tributária, instituída pela Lei Complementar nº 214, de 2015, introduz
diversas mudanças com impacto para toda a sociedade. Os aspectos mais
relevantes dentro do contexto das aquisições públicas exigem uma análise ampla
e integrada às mudanças e evoluções em outras áreas, inclusive fora do campo
jurídico.
No caso do direito
tributário, a relação desta última reforma com as aquisições públicas é direta,
considerando a obrigatoriedade de verificação da habilitação fiscal nas
licitações, a influência dos tributos na formação das propostas comerciais e a
possibilidade de alterações contratuais decorrentes de modificações no sistema
tributário. Assim, torna-se essencial examinar a nova regulamentação e
antecipar seus impactos no âmbito das aquisições públicas.
Entre os diversos
pontos que podem afetar direta ou indiretamente esse campo, destacam-se três
aspectos principais: a mudança na tributação e o período de transição; a
tributação variável nas aquisições públicas; e a questão do reequilíbrio
econômico-financeiro.
No que se refere à
mudança na tributação e ao período de transição, disciplinados nos artigos 372
a 374 da Lei Complementar nº 214/2025, há a substituição dos impostos ICMS, ISS
e das contribuições PIS e Cofins pelos tributos IBS e CBS. Essa alteração busca
a unificação do sistema tributário e a mitigação de um dos grandes desafios do
modelo atual: a guerra fiscal entre estados e municípios.
Essa transição será
realizada de forma gradual, no período de 2026 a 2033, com ajustes progressivos
nas alíquotas, visando reduzir impactos imediatos.
Alíquotas
progressivas
Durante a transição
prevista, as alíquotas serão ajustadas de forma progressiva para evitar
impactos imediatos. Assim, a cada ano, com a definição das novas alíquotas
aplicáveis, será responsabilidade das empresas licitantes e dos órgãos
contratantes revisar os modelos de contratação e as propostas previamente
estabelecidas, sobretudo nos casos em que os tributos estejam formalmente
integrados às bases de cálculo, como ocorre em licitações de engenharia e na
contratação de serviços terceirizados. Desse modo, qualquer alteração no
sistema tributário terá reflexos imediatos nas contratações públicas.
Quanto à tributação
variável, prevista no artigo 473, é relevante observar que, anteriormente,
fornecedores contratados por determinados entes federativos eram obrigados a
pagar ICMS, ISS, PIS ou Cofins para outros entes. No entanto, a nova regra é
que "o produto da arrecadação do IBS e da CBS sobre as aquisições de bens e
serviços pela administração pública direta, por autarquias e por fundações
públicas será integralmente destinado ao ente federativo contratante".
Isso significa que,
se a aquisição for realizada pela União, os tributos estaduais e municipais
(IBS) serão zerados, e o CBS absorverá toda a tributação correspondente. Da
mesma forma, em aquisições realizadas por estados, o CBS e o IBS municipal
serão zerados, restando apenas a incidência do IBS estadual. Nas compras
realizadas por municípios, o CBS e o IBS estadual serão zerados, permanecendo
apenas a incidência do IBS municipal, que acumulará os valores correspondentes
aos demais impostos.
A legislação também
prevê a possibilidade de pagamento direto nesse tipo de contratação, o que
ainda carece de maior clareza e regulamentação por parte do governo federal e
da Receita Federal. Será necessário observar como essa medida será implementada
e quais serão seus impactos na escrituração contábil das fornecedoras que atuam
junto às entidades federativas.
Reequilíbrio
econômico
Quanto ao
reequilíbrio econômico-financeiro, já há um tratamento específico na Lei nº
14.033/2021. Contudo, a regulamentação da reforma tributária introduziu novos
fundamentos e regras aplicáveis aos pedidos de reequilíbrio baseados em
alterações nos impostos IBS e CBS. Inicialmente, assegura-se que o reequilíbrio
contratual é obrigatório sempre que houver comprovação de alteração na carga
tributária regulamentada naquela lei. Esse pedido pode ser formulado tanto pelo
ente federativo quanto pelo licitante contratado.
Ademais, é possível
que o reequilíbrio seja realizado de ofício e não apenas mediante a provocação
do fornecedor; isso pode ser particularmente interessante para a organização
orçamentária do órgão/entidade, ao prever tais alterações contratuais
antecipadamente.
A legislação, no §1º
do artigo 376, estabelece prazos específicos para análise desses pedidos, que
devem ser avaliados em até 90 dias, com possibilidade de prorrogação por mais
90 dias em casos devidamente justificados por excepcionalidades (na Lei nº
14.133/21 essa informação fica a cargo da cláusula contratual). Essa extensão
de prazo, contudo, representa um ponto negativo, pois pode gerar dificuldades
financeiras ao contratado durante o período necessário para suportar os efeitos
da alteração tributária.
O prazo de 90 dias
para análise e eventual prorrogação das solicitações de reequilíbrio
econômico-financeiro é extenso, especialmente considerando a necessidade de o
contratado suportar, nesse período, os efeitos de uma alteração tributária.
Isso evidencia a importância de que os fornecedores ao governo disponham de um
fluxo de caixa robusto, pois, em determinados casos, a ausência dessa estrutura
pode inviabilizar a continuidade de suas operações frente às mudanças na
legislação tributária.
Outras questões e
desafios poderão surgir com a aplicação da legislação. Por exemplo, qual deve
ser o marco tributário utilizado para determinar a tributação em propostas de
preços: o da data de publicação do edital, da data de envio das propostas ou da
data de celebração do contrato?
Essas dúvidas ganham
relevância considerando que, em alguns casos, o edital pode ser publicado em um
ano, as propostas submetidas em outro e, devido a eventuais discussões
judiciais ou suspensões, o contrato pode ser firmado apenas no terceiro ano,
tendo sido apreciadas no período de transição (2026 e 2033), pelo menos, três
alíquotas diferentes.
Tais pontos apenas
refletem a importância de um planejamento tanto por parte da administração
quanto por parte dos fornecedores para uma melhor adaptação à nova realidade
tributária brasileira
Saiba mais sobre a Reforma Tributária a partir do link:
https://www.mmcontabilidade.com.br/Materia.aspx?id=23939
Autor: Adiel Ferreira da Silva Júnior, é sócio-proprietário
do escritório Adiel Ferreira Jr Sociedade de Advocacia, especialista em Direito
Administrativo (PUC-MG), professor universitário e membro da Comissão de
Direito Administrativo da OAB-PE.