A base de cálculo pode ser compreendia como
a grandeza econômica que advém dos fatos jurídicos sujeitos aos tributos.
Contudo, a grandeza efetiva dos acontecimentos e os fatos não são mensuráveis
em sua integralidade, o que mostra a necessidade de delimitar a base de
cálculo, compatível com sua natureza.
No caso do ISSQN, a base de cálculo deverá
se amoldar ao preço do serviço, que será a contraprestação estabelecida em
troca de uma obrigação de fazer. O que muitas vezes era confundido com
ingressos financeiros, isto é, nem todo ingresso de valores oriundo do negócio
jurídico se enquadrará na base de cálculo deste tributo municipal.
Existem alguns valores que ingressam
no caixa do prestador do serviço que, embora se originem do mesmo negócio
jurídico, não fazem parte da hipótese de incidência do ISSQN. A sua base de
cálculo, como todo o tributo, deve estar delimitada pelo princípio da
legalidade, na medida em que precisa estar definido por lei municipal
(artigo 97 CTN), sendo que esta previsão deve estar em consonância com as
normas gerais do tributo (artigo 146, III CF/88).
A previsão legal da base de cálculo do
ISSQN está no artigo 7° da Lei Complementar nº 116/03, onde
estabelece o critério do preço do serviço.
Em serviços simples não há maiores
dificuldades da sua identificação, como por exemplo, após a prestação de
serviços de representação comercial, o tributo incide sobre o preço acordado.
Entretanto, a dificuldade se concentra nos casos em que os serviços são
acompanhados de utilização de materiais e instrumentos, ainda mais, diante do
fato de que nem todo ingresso pode ser considerado receita direta da prestação
de serviço.
A doutrina costuma diferenciar o preço da
prestação (base de cálculo do ISSQN) com o preço do serviço, sendo que o
conceito deste último engloba, além do valor da prestação, valores gastos com a
prestação [1]. Essa diferenciação é de suma
importância em serviços em que haja a aplicação de materiais e instrumentos, na
medida em que há uma dificuldade maior para se identificar a real base de
cálculo do tributo. No que se refere à incidência tributária da prestação de
serviços de construção civil possui expressa previsão na lista de serviços da
Lei Complementar 116/2003, conforme item 7.02, interferindo na delimitação da
base de cálculo do tributo.
Observe-se que o dispositivo legal acima
citado é expresso em afirmar que haverá a incidência de ISSQN sobre o valor
integral da prestação do serviço, ressalvando o fornecimento de mercadorias
produzidas pelo prestador do serviço fora do local da obra. Para isso, é
necessário realizar uma interpretação conjunta dos dispositivos da LC 116/2003
para se ter uma conclusão lógica e coerente. Seria temerário obter sínteses
parciais, com base em dispositivos legais isolados, o que leva a necessidade de
averiguar alguns desdobramentos desta discussão.
Durante alguns anos o Superior Tribunal de
Justiça tinha o posicionamento sacramento no sentido de que na prestação de
serviço de construção civil ocorria a incidência do ISSQN sobre o valor global
do serviço, sem autorização de dedução de materiais, exceto quanto a previsão
da parte final do item 7.02 [2]. Isto porque
na construção civil existe uma obrigação de uma atividade fim, qual seja: a
prestação de serviço direcionado a entrega de uma obra. Este entendimento
leva a conclusão de que o conceito de prestação de serviço independe se o
prestador utilizou ou aplicou materiais para consecução de seu objetivo. Em
outras palavras, não desnatura o contrato, se o dentista usou anestésico e se o
engenheiro teve que adquirir uma trena.
A incorporação de bens na obra fez com que
tais materiais perdessem suas qualidades de origem, transformando-se em
elementos da construção, isto é, o tomador do serviço não contratou o recebimento
destes materiais, mas simplesmente eles foram transformados em insumos e foram
adicionados à obra.
Cabe ainda mencionar
a respeito da súmula nº 167 do Superior Tribunal de Justiça, o qual prevê o
entendimento de que o fornecimento de concreto para construção civil, preparado
no trajeto até a obra, sujeita-se somente ao ISS. Neste caso, conforme explica
Andrei Pitten Velloso, "os
materiais empregados na prestação de serviços são, com frequência, elementos
imprescindíveis à sua conclusão, não se qualificando necessariamente como
mercadorias, por não serem bens destinados ao comércio" [3].
No que tange as obras de construção civil,
é importante esclarecer que a conclusão dos contratos firmados por empreitada
não há a transferência, à contratante, de parte do empreendimento executado ou
dos materiais individualmente empregados, mas sim, a entrega da obra como um todo.
Tanto é assim, que nos termos do artigo 610 do Código Civil, o contrato de
empreitada pode advir somente da contribuição do trabalho do empreiteiro ou,
também, com o emprego de materiais. Em ambas as situações o contrato de
empreitada se caracterizaria como obrigação de fazer, sendo que o material
empregado se transformou em insumo da obra.
De forma contrária a este posicionamento, o
Supremo Tribunal Federal, através de um voto monocrático da ministra Ellen
Gracie, no Recurso Extraordinário nº 603497, julgou pela possibilidade da
dedução de materiais da base de cálculo da prestação de serviços da construção
civil [4]. Após esta manifestação pela Suprema
Corte, o STJ alterou seu entendimento relativo à definição da base de cálculo
do ISSQN na construção civil, passando a aceitar a possibilidade da dedução dos
materiais. Na mesma situação jurídica, este Tribunal afastou a incidência do
ISS sobre as subempreitadas e definiu que os materiais que poderiam ser
deduzidos seriam aqueles empregados na obra [5].
Na leitura de Aires F. Barreto, o fato
da lei complementar não permitir a inclusão dos materiais equivale a dizer que
materiais não integram a base de cálculo do ISSQN, isto em razão da não
cumulatividade do imposto. Entende este autor que o veto ocorrido no inciso II
do §2° da LC 116/2003 é inconstitucional, pois a não dedução das subempreitadas
afrontaria a própria estrutura constitucional do imposto [6].
Uma interpretação literal levaria a
conclusão de que a única exceção cabível prevista na lista de serviços ocorre
quando o prestador do serviço alia essa atividade à de industrial ou
comerciante, alienando mercadorias. Neste caso, teria, ao menos em tese,
duas obrigações que se cumprem: "dar" e "fazer", isto
é, junto com a prestação do serviço existiram mercadorias produzidas por ele e
vendidas ao tomador do serviço [7]. Por outro lado,
existe a corrente doutrinária que defende que não poderia haver limitação da
dedução dos materiais fornecidos pelo prestador, haja vista a redação do
artigo 7º da LC nº 116/2007 utilizar o termo "material
fornecido" e não o termo "produzido".
Esta discussão se originou em 2010, quando
a discussão chegou ao STF através do RE 603.497. Relatora da matéria, a
ministra Ellen Gracie (atualmente aposentada) deu provimento ao recurso para
restabelecer a sentença e permitir à empresa recorrente deduzir da base de
cálculo os valores dos materiais usados para concretagem. Essa decisão
monocrática durou por mais de uma década, em que os contribuintes utilizaram
esta tese para deduzir todo tipo de material utilizado ou empregado
definitivamente na obra. Inclusive, em diversas oportunidades, os julgamentos
do Supremo sinalizaram que a interpretação do STJ estava superada.
Ocorre que, no julgamento definitivo do RE
603497, agora com a relatoria da ministra Rosa Weber, houve uma reviravolta, em
que se delegou ao STJ a delimitação dos materiais que seriam deduzimos, por ser
matéria infraconstitucional. Em outras palavras, o Supremo defendeu que
não caberia a Suprema Corte revisar a o entendimento do STJ, mas apenas
verificar se, ao acolhê-la, aquela Corte não incorreu em ofensa à Carta da
República. E, no caso em tela, compreenderam os ministros que não houve ofensa
à Carta Magna. E como tese de repercussão geral, a ministra relatora Rosa Weber
sugeriu a tese nos seguintes termos: "O
artigo 9º, § 2º, do DL nº 406/1968 foi recepcionado pela ordem jurídica
inaugurada pela Constituição de 1988".
Na sequência, o STJ, em março de 2023,
aproveitou-se do julgamento do RE 603.497 e, voltou a aplicar a tese
restritiva para dedução dos materiais da base de cálculo do ISSQN na construção
civil:
"....
O Supremo Tribunal
Federal, ao proferir o primeiro julgamento do RE 603.497/MG (Tema 247 do STF),
em 31/08/2010 (DJ 16/09/2010), decidiu reformar acórdão do STJ com fundamento
no entendimento do Pretório Excelso sobre a "possibilidade de dedução da
base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil."
A partir desse momento, esta Corte
Superior, buscando alinhar a sua jurisprudência à referida decisão da Suprema
Corte, começou a decidir naquele mesmo sentido, como se observa, a título de
exemplo, no AgRg nos EAREsp nº 113.482/SC, relatora ministra Diva Malerbi
(desembargadora Convocada TRF 3ª Região), Primeira Seção, julgado em 27/2/2013,
DJe de 12/3/2013.
"Entretanto,
mais recentemente, em 03/07/2020 (publicação da ata de julgamento em
13/07/2020), nos mesmos autos do RE 603.497/MG, o STF deu parcial provimento a
agravo interno para, reafirmando a tese de recepção do artigo 9º, §2º, do
DL nº 406/1968 pela Constituição de 1988, assentar que a aplicação dessa
tese naquele caso concreto não ensejou reforma do acórdão do STJ, ficando evidenciada,
no referido julgamento, a intenção do Pretório Excelso de preservar a
orientação jurisprudencial que o Superior Tribunal de Justiça sedimentou no
âmbito infraconstitucional acerca da impossibilidade de dedução dos materiais
empregados da base de cálculo do ISS incidente sobre serviço de construção
civil.
Diante desse último
pronunciamento da Suprema Corte no julgamento do seu Tema 247, há de voltar a
ser prestigiada a vetusta jurisprudência do STJ sobre o tema."
(REsp nº 1.916.376/RS, relator ministro Gurgel de Faria, 1ª Turma, julgado
em 14/3/2023, DJe de 18/4/2023).
Observe-se que, expressamente, o relator,
ministro Gurgel de Faria, restabeleceu o entendimento anterior desta Corte
Jurisdicional acerca da restrição da possibilidade de dedução de materiais
somente para os casos de materiais produzidos pelo prestador de serviço e que
tenha sido objeto de tributação do ICMS:
"O prestador de
serviço de construção civil é, via de regra, contribuinte tão somente do ISS,
de modo que, ainda que ele mesmo produza os materiais empregados fora do local
da obra, esses materiais não estarão sujeitos ao recolhimento do ICMS e,
portanto, não poderão ser abatidos da base de cálculo do ISS.
Entretanto, caso o
prestador do serviço de construção civil também seja contribuinte do ICMS, os
materiais necessários à construção por ele produzidos fora do local da obra e
destacadamente comercializados em paralelo com o tomador, porquanto passíveis
de tributação pelo imposto estadual, poderão ser subtraídos da base de cálculo do
ISS."
A partir deste novo cenário, percebe-se que
o STJ (1ª e 2ª Turmas [8]), no âmbito de sua
atribuição constitucional, retomou o entendimento de ser possível a dedução dos
materiais, desde que ele seja produzido pelo prestador do serviço e por ele
destacadamente comercializado com a incidência do ICMS.
Sob este ponto de vista, este entendimento
possui coerência no âmbito da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,
na medida em que as empresas de construção civil, quando adquirem bens
necessários ao desenvolvimento de sua atividade-fim, não estão sujeitas ao
ICMS. É a tese aprovada em recursos repetitivos: "As empresas de construção
civil não estão obrigadas a pagar ICMS sobre mercadorias adquiridas como
insumos em operações interestaduais" [9].
O que nos parece que, a partir do retorno
da jurisprudência do STJ à teoria restritiva, não se permitirá a dedução dos
materiais adquiridos pelo prestador de serviço de terceiros, ainda que tenha
recolhido o ICMS de forma destacada. Posição tormentosa, uma vez que não
haveria uma razoabilidade em não se permitir a dedução dos materiais adquiridos
de terceiros, sob pena de configuração de bitributação (ICMS/ISSQN).
De qualquer forma, neste momento, caberá
aos Municípios adaptarem suas legislações locais com base nesta nova
interpretação jurisprudencial, uma vez que representará em incremento de
receitas de forma legítima. Contudo, ainda caberá um amadurecimento
jurisprudencial sobre os temas elencados, o que se espera é a seriedade do Judiciário,
principalmente a fim de delimitar definitivamente este assunto, tendo em vista
a incerteza sobre os materiais adquiridos de terceiros pelo prestador de
serviço com destaque de ICMS, o que, a nosso ver, poderá apresentar divergência
quanto ao tema.
[2] STJ - AgRg no REsp 1002693/RS - ministro CASTRO MEIRA - Data do Julgamento - 25/03/2008 - Data da Publicação/Fonte DJ
07.04.2008
[7] Cf. MELO,
José Eduardo Soares de. Aspectos
teóricos e práticos do ISS. São Paulo: Dialética, 2000, p. 60.
[8] AgInt no
AREsp n. 1.892.536/RJ, relator ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,
julgado em 19/10/2021, DJe de 25/10/2021.
REsp 1.916.376-RS, relator ministro
Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 14/3/2023.
Autor: Helton Kramer
Lustoza é procurador do Estado do Paraná e professor do curso de Direito
da Unipar.
Fonte: Revista Consultor Jurídico