Há anos a controvérsia acerca do cálculo do
ICMS próprio e do ICMS por substituição tributária é objeto de discussão pelas
distribuidoras de combustíveis. Isso porque, como atuantes atacadistas deste
setor, as legislações tributárias estaduais determinam, como regra geral, a
responsabilidade das distribuidoras no recolhimento do ICMS próprio (ou normal)
referente à operação que está sendo realizada, e o ICMS por substituição
tributária referente às operações subsequentes (ICMS-ST).
Assim, em decorrência de uma única operação
que pratica, as distribuidoras acabam recolhendo o imposto estadual nas duas
modalidades: ICMS próprio e ICMS-ST.
É neste contexto que o presente artigo visa
demonstrar as divergências encontradas entre a Fazenda e as distribuidoras em
relação ao cálculo da substituição tributária, dando , portanto, origem à
exigência de complementação do ICMS-ST.
Como já mencionado acima, por força das
legislações tributárias estaduais e a depender do tipo de combustível - no
presente estudo trataremos do álcool etílico hidratado carburante (AEHC) -, as
distribuidoras são responsáveis pelo recolhimento do ICMS normal e do ICMS-ST.
Em outras palavras, ao realizar operação de
venda para cliente estabelecido no Estado de Sergipe, por exemplo, torna-se
devido o recolhimento do ICMS próprio referente à operação que está sendo
realizada e também o ICMS-ST referente às operações subsequentes, que, se
presumem, serão realizadas pelos respectivos adquirentes.
Logo, realizando uma única operação, as
distribuidoras recolhem o imposto estadual sob as duas modalidades: próprio e
por ST.
Feitas estas considerações preliminares,
passa-se a dispor sobre a divergência dos cálculos relativos ao ICMS/ST.
O ICMS-ST é calculado aplicando-se a
alíquota vigente na época da operação sobre a respectiva base de cálculo,
obtida pela multiplicação do volume comercializado de combustível pelo
denominado "Preço Médio Ponderado ao Consumidor de Combustíveis Final" (PMPF),
que corresponde a um preço estimado para o produto na sua última operação.
Do produto desta multiplicação, é deduzido
o ICMS próprio, para então, se obter o valor do ICMS-ST.
Logo, o ICMS-ST nada mais é do que o valor
do imposto que a distribuidora, na qualidade de substituta tributária, adiciona
ao valor da respectiva nota fiscal de venda para efeito de efetuar a retenção
do imposto previsto e, posteriormente, recolhê-lo. De tal modo, a fórmula
matemática do ICMS-ST é a seguinte: ICMS-ST = [PMPF x volume (em litros) x
alíquota] - ICMS próprio
Por sua vez, o ICMS próprio corresponde à
aplicação da mesma alíquota sobre a sua base de cálculo, que é o próprio valor
da operação, correspondente ao preço unitário (por litro) do produto
multiplicado pelo respectivo volume. Ficando a fórmula da seguinte forma: ICMS
próprio = preço unitário x volume (em litros) x alíquota
Já o PMPF é fixado por cada unidade
federativa interessada no âmbito da sua competência tributária e divulgado pelo
Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), composto por representantes
fazendários de todas as unidades federativas.
Assim, com regular frequência, são
publicados os chamados atos Cotepe/PMPF e divulgados os PMPF vigentes para
determinados períodos.
Ocorre que, neste contexto, as
distribuidoras de combustíveis são comumente autuadas pela ausência de
recolhimento do imposto estadual, relativo ao que seria devido a título de
ICMS/ST.
Desta forma, a incongruência entre os
cálculos das distribuidoras e das Fazenda Estaduais gera uma série de autuações
pela complementação do imposto estadual, acrescido de juros, multa e correção
monetária.
Em linhas gerais, o ponto de insurgência
cinge-se à alíquota aplicável, na medida que as autoridades fazendárias não
deduzem o valor de ICMS próprio efetivamente destacado da nota fiscal e levada
a débito na escrita fiscal das distribuidoras.
Só que, ao procederem desta forma, a
fiscalização acaba por calcular de forma incorreta o valor do ICMS-ST, pois
deduz indevidamente, do produto da base de cálculo do ICMS-ST multiplicado pela
correspondente alíquota, o valor do ICMS próprio destacado nas operações.
Assim, os Fiscos acabam não aplicando ao
cálculo o valor do ICMS destacado nas notas fiscais e, portanto, levado a
débito na escrita fiscal do estabelecimento.
É relevante mencionar que na alíquota do
ICMS próprio e, por conseguinte, do ICMS-ST, é aplicada a porcentagem relativa
ao Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza (FECP), o que, por
consectário lógico, eleva a alíquota da operação.
Todavia, as autoridades fazendárias
desconsideram o valor do ICMS efetivamente destacado pelas distribuidoras nas
notas fiscais, bem como o referido adicional (FECP) para o cálculo do ICMS
próprio.
Assim, o que se tem na prática é a
exigência da diferença do valor do FECP, tendo em vista que a fiscalização
entende que, ao calcular o ICMS/ST, deveria deduzir, do correspondente valor, a
parcela equivalente ao ICMS próprio, tal como se este último fosse calculado a
uma alíquota sem a inclusão do FECP.
Desta forma, as distribuidoras de
combustíveis acabam sendo obrigadas a complementação do ICMS/ST, em virtude da
desconsideração da alíquota total aplicável devida nas operações (ICMS + FECP).
Por essa razão, sendo certo que a
legislação aplicável prevê o percentual relativo ao FECP no recolhimento do
ICMS próprio, não pode a Fazenda Estadual desconsiderar tal montante para fins
de cálculo do ICMS-ST. Caso assim fosse, estar-se-ia diante de uma grave
violação aos princípios da legalidade tributária e da não-cumulatividade.
Neste viés, o princípio constitucional da
não-cumulatividade relativo ao ICMS encontra-se previsto no artigo 155, II,
§2º, da Constituição, segundo o imposto devido em certa operação será
compensado com o montante cobrado nas operações seguintes.
Consequentemente, quando é apurado o
ICMS-ST devido nas operações seguintes, é deduzido o valor do ICMS próprio pago
na operação realizada. Só que as Fazendas Estaduais acabam reduzindo a parcela
do ICMS próprio, eis que não utilizam o mesmo valor destacado nas notas fiscais
e imputam tributação mais onerosa às distribuidoras.
Neste sentido, é pertinente destacar que o
Código Tributário Nacional determina em seu artigo 3º que a cobrança de
tributos é uma atividade administrativa vinculada, não podendo, portanto, a
manutenção da exigência fiscal ser fundamentada sem base legal.
A administração pública não pode inovar de
forma a exigir ou aumentar tributo em situações extraordinárias às previstas
nas normas legais, eis que, se o fizer, violará o princípio da legalidade
tributária, assim previsto no artigo 150, I, da Constituição.
À vista de todo o exposto, tem-se que a
manutenção das exigências fiscais afronta diretamente dois dos maiores
princípios do Direito Tributário - a não-cumulatividade e a legalidade
tributária -, colocando em xeque a segurança jurídica que deve nortear as
relações entre contribuinte-Estado, haja vista a conduta autoritária e
desprovida de legalidade das Fazendas Públicas.
Diante das considerações acima, podemos
concluir que as autuações fiscais exigindo a complementação do ICMS-ST são
manifestamente indevidas, tendo em vista que o cálculo usado pelas Fazendas
Estaduais e Distrital não encontra amparo na legislação tributária nem na
Constituição.
Soma-se a isso o fato de que esta cobrança
indevida de ICMS-ST fere frontalmente o princípio da legalidade tributária e a
sistemática da não-cumulatividade, fazendo com que as distribuidoras suportem
um encargo maior do que o previsto, o que pode até mesmo comprometer a
viabilidade econômica das suas operações.
A tentativa de solução depende de um maior
exercício do poder de autotutela dos Estados ou, ainda, de uma possível
alteração legislativa para que a letra de lei seja clara o bastante a todos os
interessados, de modo a cessarem autuações indevidas, conferindo, ao final, uma
maior segurança jurídica para todo o setor.
Autores:
Janssen
Murayama é sócio fundador de Murayama & Affonso Ferreira Advogados,
graduado em Direito e Ciências Contábeis pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Uerj), pós-graduado em Direito Tributário, pelo Instituto Brasileiro
de Estudos Tributários (Ibet) e mestre em Direito Tributário pela Uerj, membro
efetivo da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do Instituto dos
Advogados Brasileiros (IAB) e fundador e conselheiro do Grupo de Debates
Tributários do Rio de Janeiro (GDT-Rio), além de autor e coordenador de livros
e artigos científico-tributários e professor convidado do FGV Law Program.
Mariana
de Oliveira Ferreira é advogada em Murayama & Affonso Ferreira Advogados,
LL.M. em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e extensão em
Tributário pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj).