Análise prática
do split payment da LC 214/25 e seus impactos no caixa das PMEs, com
estratégias para adaptação e gestão eficiente no novo cenário tributário.
A reforma tributária em curso no Brasil não
apenas sinaliza um novo arranjo normativo, mas uma profunda reconfiguração da
cultura arrecadatória nacional. Nesse cenário, a LC 214/25 introduz um dos
instrumentos mais inovadores e desafiadores do novo sistema: o split payment,
previsto entre os arts. 31 e 35.
Fundamentado em experiências
internacionais, como as da Itália e da Polônia, o split payment visa eliminar a
inadimplência tributária na origem. Trata-se de um modelo em que a parcela dos
tributos incidentes sobre uma operação é automaticamente retida no momento da
perfectibilização da transação comercial e destinada diretamente ao Fisco - via
instituições de pagamento como bancos, operadoras de cartão ou plataformas
digitais. Assim, a empresa vendedora recebe apenas o valor líquido da operação.
Essa lógica rompe com o modelo hodierno, no
qual os tributos são pagos periodicamente, após apuração e escrituração. A nova
dinâmica, ainda que promissora do ponto de vista da eficiência arrecadatória,
impõe um ônus direto e imediato sobre o fluxo de caixa das empresas, sobretudo
das PMEs - pequenas e médias, que operam com margens exíguas e forte
dependência do capital de giro bruto. É crucial reconhecer que essa mudança
pode impactar significativamente a saúde financeira dessas empresas, exigindo
uma adaptação estratégica para mitigar os efeitos negativos.
Tomemos um exemplo prático: em uma venda de
R$ 1 mil sujeita a carga tributária de 20%, apenas R$ 800,00 serão efetivamente
recebidos pelo vendedor. Os R$ 200,00 restantes serão automaticamente
direcionados ao erário. Essa antecipação fiscal elimina a janela de gestão que
empresas tradicionalmente utilizavam para planejar pagamentos e ajustar seu
caixa.
A problemática se agrava quando se
consideram os prazos para ressarcimento de créditos tributários. Conforme o
art. 39 da LC 214/25, apenas empresas inseridas em programas de conformidade
terão direito à restituição em até 30 dias. As demais poderão esperar até 180
dias. Em outras palavras, além da retenção imediata, há um potencial
alongamento do ciclo financeiro. Essa disparidade nos prazos de restituição
pode gerar um desequilíbrio ainda maior para as PMEs, que dependem da agilidade
no recebimento de créditos para manter suas operações.
Nessa linha, alguns ajustes se tornam
imprescindíveis para a sustentabilidade das PMEs diante do novo cenário:
Revisão do planejamento financeiro, com
foco no fluxo de caixa real e não apenas nas receitas brutas;
Renegociação estratégica de prazos com
fornecedores, a fim de suavizar o desencaixe financeiro;
Consolidação de reservas mínimas de
liquidez, funcionando como colchão de segurança para oscilações de caixa;
Monitoramento contínuo de créditos
tributários, com protocolos eficazes de ressarcimento;
Assessoria jurídica e contábil
especializada, capaz de interpretar corretamente o novo modelo, evitar riscos
de autuação e estruturar a empresa para operar com conformidade e eficiência. A
busca por profissionais qualificados é fundamental para garantir que as
empresas estejam preparadas para enfrentar os desafios e aproveitar as
oportunidades decorrentes do split payment.
Ao revés do senso comum, o split payment
não se limita a um ajuste operacional, mas representa uma mudança de paradigma
na relação entre o contribuinte e o Estado. É a lógica da automatização, da
rastreabilidade e da transparência - elementos que, se bem implementados, podem
trazer ganhos sistêmicos ao país, sem que isso signifique inviabilizar o
empreendedorismo. É imperativo que o governo e as instituições financeiras
trabalhem em conjunto para garantir que a implementação do split payment seja
justa e equitativa, permitindo que as PMEs continuem a prosperar e contribuir
para o desenvolvimento econômico do país.
A previsão é que o modelo entre em testes
em 2026, com aplicação plena a partir de 2027. O tempo é curto, mas suficiente
para que as empresas - especialmente as PMEs - se reorganizem, planejem e
contem com o suporte técnico necessário. O desafio é inegável, mas as
oportunidades que dele podem advir são igualmente promissoras: maior segurança
jurídica, previsibilidade e, sobretudo, um ambiente de negócios mais estável e
confiável.
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Autora:
Nicole Dubut Cruz. Mestre em Direito Internacional pela Miami University of
Science and Technology, especialista em Direito Tributário, fundadora do Dubut
Advocacia e CEO do Jusneural.
Fonte:
https://www.migalhas.com.br/depeso/427365/do-boleto-a-retencao-automatica-o-split-payment-e-o-desafio-das-pmes